sexta-feira, 17 de julho de 2009

Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2009
Desespero



Cheguei aquela manhã, com um chuva de pingos finos e um frio rasante, aquele lugar. Para muitos, um lugar de descanso; para outros, um lugar de lembranças. Contudo, em ambos os casos, a felicidade é maior para o visitado do que ao visitante: este se conforma com a vista de extenso gramado, árvores, alguns bancos aqui e acolá devidamente colocados sob as copas daquelas, e vários passados vivos na forma de totens de diferentes formas.

Encontrei K. em várias primeiras vezes, e em todas ele era o mesmo e diferente. Não era como Caeiro, Campos, Reis, etc: nunca precisou se manifestar senão como K. E, no entanto, nunca foi devidamente K.

Tivemos muitas conversas, embora ele tivesse a mania de haver apresentado todo o conteúdo de seu diálogo desde o início. Auto-suficiente? Talvez.

Contudo, apreciei muito essa sua qualidade: por não responder a meus questionamentos nunca se permitiu ser julgado, e assim a capa de seu (ou seus) livro, assim como o conteúdo, sempre permaneceu impecável.

Sendo assim, somente eu poderia ter empatia por ele, e esta foi sobremaneira potente que colocou-me na tarefa que lhes comunico agora.

Sempre ele disse: suprima tudo que pensei. Aliás, isso era em muito desejável: era sua comunicação, em quaisquer sentidos, um lamento. E sendo ele muito prestativo a causa da humanidade, sempre procurou ter entre os seus que reservassem para ele suas confissões, como se fôssemos também ele.

Bom, um dia ele se foi (ou se meteu em seu castelo - seduzir nunca fora seu forte, nem consigo mesmo), assim como muitas coisas em seu quintal, mental ou não. Guardávamos muitas coisas dele, e sabíamos do seu gênio. Entretanto, confundimos sua estatura como se fosse nossa, e tornamos público o que era de outro. Metamorfoseamos.

O processo não foi justo para ele: o que precisávamos ter oferecido a ele era carinho e amor. Não isso. Tivéssemos ajudado ele a sair daquela colônia penal...

Era um artista. Da fome. Não soubemos interpretar isso: nunca pareceu que nos houvéssemos em semelhante situação. Bem nutridos estávamos e ficamos mais ainda com sua herança.

Desde que escrevi minha carta ao pai soube compreender de forma mais exata sua situação, e a estranha comunhão que nunca entendi ter contigo.

Pensava minha vida confortável. Uma ilusão.

Nunca pediste um carinho como imaginava desejar: tinhámos muito por baixo, mesmo porque nunca compreendíamos bem, dado os vários significados, do que procurava dizer com "Ungeziefer". O seu anseio era o de um estranho a si mesmo: procurava se encontrar e ser encontrado, de se aceitar e ser aceito.

Seus termos, sua forma de pensar, sempre tão imparcial que deixava de aparecer inclusive a si mesmo. Dissolvido em sua "Verwandlung", eram tantas as transformações suas como nossas, e no entanto nunca perdeste seu fio condutor.

Nós sim.

Aqui me vejo a sua frente. Ainda continuas o mesmo. Mesmo que reine sobre ti uma pedra com seu nome continuas sobre esta, pois é exclusivamente K.

Devolvo a ti tudo que carrego.
Peço que analise minha condição.
Explico a ti meus "porquês" e "comos".

És mais profundo.
Aponta para mim.

"O que é?".
"Não sei".

Pede que lhe entregue meus pensamentos.
Lágrimas recíprocas.
Abraçou-me.
"Seria uma ironia?".

Sempre foi sincero, sensível. Não importa a tormenta ou o lúgubre.

Afinal, os rouxinóis cantam, não é mesmo?

Postado por Val às 16:08

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