sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

 Desde que me conheço vou a psicólogos. Há décadas tenho depressão. E praticamente todo dia penso em suicídio.


E de alguma forma me acostumei - malgrado as recaídas - a essa realidade. Aprendi (e continuo aprendendo) a dialogar com a depressão, com meus traumas e fantasmas, minhas fobias e ressentimentos e os meus ódios tal qual fossem as minhas infâncias, adolescências e adultências implorando por país que as criem, e volta em meia sinto a enorme angústia deste caminho, de enfrentar e aceitar as minhas impotências e cultivar sobre elas a vontade de viver como quem dá carinho a alguém que chora e, se sentindo acolhido, encontra forças para dar passos, ora rápidos, ora tímidos, para continuar.


Fala -se muito de amor, e nisso se cria a fantasia, expectativa, de se esperar um amor. Nada mais ilusório: não há ninguém, exceto se for para lembrar de tuas imperfeições e se divertir com isso - e descobrir que essas pessoas são tóxicas para mim, para os outros e, sem que elas percebam, para elas mesmas. Só se pode confiar em si mesmo, em cultivar sua própria independência, em caminhar com as próprias pernas: estas são concretas, reais, estão aqui e agora, e na medida em que se aprende a caminhar vai aprendendo a se amar - sem que espera que o amor de si desperte, sem esperar que algo em si mesmo irá salvá-lo: só existe a ação, tudo o mais simplesmente ocorre espontaneamente.


Aliás, a própria vida, existência, é inútil. Não existe um sentido, nada que trará um porto seguro, nem mesmo o navegar é preciso: não há mapa, não há porto seguro, só existe a realidade complexa, a sociedade e pessoas contraditórias e a imaturidade cheia de ignorância e confusão. Criar um sentido é só se afundar ainda mais numa miragem, nas cadeias fantasiosas da imaginação, como se houvesse saída fácil para o desespero. Aceitar a inutilidade é se tornar consciente, e é viver desenvolvendo o próprio equilíbrio na medida que se encontra, que se envolve, consigo mesmo. Não que exista uma identidade, e sim um encontro radical com as possibilidades da experiência, integrando as formas a substância, i.e., a própria totalidade da concretude. Basicamente: se aprende a conhecer, a agir e a se divertir quanto mais amplia e integra as diferentes perspectivas da existência.


Isso poderia ser chamado de arte. Entretanto, a arte é chamada de arte justamente para ser distinguida de tudo que é dito "útil". No momento em que se descobrir que o útil é ilusão talvez deixemos de chamar a arte de arte para simplesmente percebemos a inutilidade do existir, e finalmente assim vivamos o prazer de quão inútil é tudo.