terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Sexo - O que significa para mim


Quanto mais deprimido, mais o sexo como forma de prazer, de anestesiar ou mesmo apagar a realidade num universo de total gozo.

Como? Sexo virtual e masturbação.

Mulher real: "Ela sabe que sou ridículo e só vai ficar brincando comigo e nunca vai dar para mim"

Mulher virtual: "Uso e descarto" (e quase sempre sinto depois do gozo uma enorme angústia, insatisfação, sabendo como tudo isso é fantasia e nada real e como isso tudo diz muito sobre mim e de como sou um fracassado).

Insatisfação: querer estar com uma garota.

Para que? Ela dar para mim? Não apenas isso: para eu me sentir amado. Negar sexo, negar companhia, negar atenção, negar carinho, é caixão, é frustração, é angústia e ressentimento e autodepreciação crescentes.

Em suma: a mulher é uma coisa, uma escrava, algo para ser usada, manipulada, explorada, descartada, para estar ao meu dispor.

Meter e gozar.

Ter atenção e carinho.

Me sentir especial, amado, querido.

Como uma criança.

A mãe ao seu dispor.

Alguém que serve incondicionalmente.

Ou seja:

- Eu não sei o que é sexo

- Eu não sei o que é amar

- Eu não sei tratar ou mesmo reconhecer uma garota como um indivíduo, como alguém com autonomia, liberdade, necessidades, desejos e vontades, interesses, conhecimentos e opiniões, estratégias e atitudes próprias.

E se faço isso com garotas, também não faço isso com amigos?

"Me sirvam que eu sou especial e mereço ser tratado com todo apreço"?

"Reconheçam como eu sou genial, incrível, intelectual, me adorem e façam tudo por mim!"

Quando, em verdade, eu me sinto frustrado, injustiçado, desrespeitado, humilhado, e usando isso como forma de revanchismo, vitimismo, exploração, escravidão, ter todos ao meu bel-prazer e ai de quem fizer algo contra: "Está tentando me humilhar como todos os outros fizeram?!"

A vítima sempre tem razão?

Não: a vítima está totalmente errada em usar sua condição para agir como carrasco, como um sanguessuga.

E a vítima, cheia de ressentimento, adora procurar todo tipo de situação, real ou imaginaria, para se fazer de vítima, ou seja: para se vitimizar, para alimentar o vitimismo, para assim usar de tudo e usar todos para seu regozijo: total simbiose com seu "carrasco", com seu "explorador", revanchismo total: "Quem é que manda em quem agora, seu merda?! Tá achando que pode me matar, que pode me humilhar, que pode me escravizar?! Agora eu quem mando, eu que te humilho, eu que te exploro e até te mato se me der vontade, e tudo isso porque você me autorizou a fazer isso porque aqui é olho por olho e dente por dente!"

Vontade de respeitar, de ver o outro como ser humano, de ver o outro como alguém com autonomia, liberdade, necessidades, desejos e vontades, interesses, conhecimentos e opiniões, estratégias e atitudes próprias, de ver o outro como indivíduo? "Não, ele não merece isso, tá achando que vou perdoar esse merda?! Quero mais que se foda, que sofra, que pague com juros tudo aquilo que sofri, que receba com juros todo o sofrimento que sofri!"

Nada de amadurecimento, nada de independência, uma vida presa a ser mimada e tratando tudo e todos como brinquedos e como brincadeira, uma vida sem objetivo algum senão curtir, senão viver um prazer banal. "Eu quero ser protegido e só me divertir e viver o que me diverte!"

Uma vida sem interesse, sem arte, sem profundidade, sem esforço, sem cultivo.

Vive viciado na dor e usando a dor para ter atenção de todos e só usufruir do que é gostoso: "Porque eu apanhei só quero agora a parte deliciosa de tudo!"

"Não quero esforço e nada que dê chance a eu voltar a sofrer, quero que se esforcem por mim em tudo e eu só aproveite o lado bom da vida, tudo entregue nas minhas mãos e eu só aproveitar e curtir"

"Porque eu me esforçar é eu me abrir, e se me abro podem me atacar de novo"

A vida como sofrimento, a zona de conforto como O Paraíso: "Eu quero ser mimado para todo o sempre!"


"Eu quero ser mimado para todo o sempre!"


Como superar isso?

Quem eu tenho evitado?

Os monitores.

Os tutores.

Os professores.

Todos aqueles que podem me ajudar a fazer os exercícios, com quem posso aprender, com quem posso me esforçar, posso raciocinar, posso pensar, imaginar e criar soluções e finalmente avançar.

Faço de tudo para dizer que tudo é muito difícil, faço questão de me isolar de todos e dizer que é muita coisa para mim e que não consigo, que não vou aguentar, que é complicado demais para lidar sozinho, que é tudo muito abstrato, etc.

O fato: não quero me esforçar, pensar, raciocinar, imaginar, criar, quero só criticar, questionar, vê empecilho em tudo e reclamar de tudo e manter a todo custo a zona de conforto.

Quanto mais odeio os outros mais temo os outros e mais quero os outros longe de mim, perto de mim apenas naquilo que for conveniente: me mimar.

Como superar isso?

"A vida é sofrimento" porque eu quero ver a vida como sofrimento, porque é conveniente ser escravo dos meus medos, é conveniente alimentar meus medos para gerar mais e mais ressentimento e assim tentar ao máximo me vitimizar e usar os outros como eu quiser.

Como superar isso?

Tratando os outros como indivíduos. Reconhecendo como é possível interagir saudavelmente com os outro.

Parar de usar meus medos como escudo e como instrumento de manipulação.

Romper a visão ocasionada pelos meus traumas de que todos são maus e não se pode confiar em ninguém.

Quanto mais puder conhecer os outros mais poderei desenvolver meios para interagir bem com eles.

O medo saudável leva, através da cautela, a questionar e calcular os riscos e a elaborar estratégias. Se integra ao sonho e a confiança em si e ao desejo de construir e viver bem.

O medo patológico culpa tudo e todos e explora tudo e todos construindo uma zona de conforto ao redor de si. Busca a todo tempo sofrer para se fazer de vítima e se torna cada vez mais dependente de tudo que o alimente - seja no sentido de se tornar cada vez mais tanto paranóico (para culpar: se vitimar) como autoritário (para zona de conforto: ser mimado).


Como superar isso?


Dando o primeiro passo.

Dando o segundo passo.

Dando o terceiro passo.

E nunca parando de caminhar.

Exceto para descansar.

A vida é interessante demais para não caminhar.

É preciso caminhar.

Sentir a vida.

Gostar da vida.

Querer a vida.

E quanto mais poder sentir, gostar, querer a vida, mais poder explorar, se aventurar, aprofundar e compreender a vida.

E consequentemente poder sentir, gostar e querer a mim mesmo, explorar, aventurar, aprofundar em minha própria essência e finalmente me compreender.


A verdade, nua e crua


Eu quem fico, mais do que todos, me torturando, me humilhando, provocando sofrimento e ressentimento sobre mim mesmo. É preciso que eu pare de me autodestruir, que eu aprenda a não me odiar, e isso só é possível na medida em que eu aprenda a me respeitar e, portanto, efetivamente eu me respeite. Continuar a me odiar e a me destruir significará continuar a buscar bodes expiatórios e nunca ir em frente. É preciso que eu me responsabilize e mude de fato. 


Assim sendo, trata-se de eu me aceitar e me desenvolver, assim como de aceitar as pessoas e não levar para o lado pessoal e sim me concentrar no essencial. A indiferença para o que não é importante e o foco para o que é relevante: trabalhar a visualização, o discernimento e a atitude a ser levada em conta.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Autoritarismo


1)"Cala a boca ou vou te bater"


1.A)"Você é um merda que depende de mim e tem mais é que calar a boca e me obedecer"

1.B)"Aprenda a obedecer ou senão só vai apanhar"


2) "Você é um bosta e eu mando aqui"


2.A)"Não está satisfeito pode ir embora"

2.B)"Você é um merda e não vai sobreviver sem mim"


3)"Se você não aprender a obedecer o mundo vai te matar de fome"


3.A)"Quem você acha que é, seu merda?!"

3.B)"Ou se adapta e aprende a estar no mundo e algum dia você poder mandar em algo ou seja ignorado porque ninguém vai te ajudar ou te dar a mínima"

3.B.1)"Nenhum amigo teu vai querer saber de sustentar vagabundo"

3.B.2)"Você só tem amigo enquanto não depende deles para nada"

3.B.3)"Teus amigos te acham esquisito, doido, louco, e só estão com você enquanto você tem algo a oferecer para eles"


4)"Engole essa merda de choro ou vai apanhar ou pode te arrancar de casa e procurar a tua turma ou morrer de fome que você não sabe fazer nada e ninguém vai sustentar vagabundo e mais ainda um louco como você!!"


4.A)"Você por acaso é um maricas, um viadinho?!"

4.B)"Precisa aprender a levantar essa cabeça e ser homem!"

4.C)"Gente fraca tem mais é que se foder, mesmo!"


5)"Um homem precisa brigar"


5.A)"Se você não briga os outros pulam em cima"

5.B)"O que não mata, fortalece"

5.C)"Eu estou bem assim porque briguei a vida toda"

5.D)"Sinto saudade de poder brigar, era muito bom":

"Filho, você não tem noção de como era bom quando era mais jovem. Juntava os meus amigos para brigar com a turma do outro bairro, a gente batia e também apanhava e saía dando risada"

"Filho, você nunca vai ter noção de como é bom conquistar algo por vontade própria"



segunda-feira, 11 de julho de 2022

Luta social ou buscar uma vida simples? Ou ambos?

Se se precisa lutar contra a opressão, qual o menor grau de opressão para se poder viver o máximo de liberdade e, portanto, não só não se sentir sufocado como ter prazer tanto em estar vivendo bem consigo mesmo como em colaborar para uma mudança radical e para a liberdade de todos?


Em suma: como poder estar contente curtindo a vida e também contente em estar atuando no mundo?


Primeiro: a luta por uma "vida simples":

O que isso significa? Contra o produtivismo-consumismo que obriga as pessoas a uma vida e esforço fúteis e que as escraviza ainda mais a partir da divinização e superfluidade das coisas.

Significa investigar e reconhecer o que de fato é o essencial e, portanto, a refletir sobre o que é uma boa vida e concretizá-la.


Segundo: renda mínima:

Viver possuindo o essencial e, assim, cada vez mais tempo e espaço livres - resumindo: uma vida cada vez mais livre. A renda mínima é a garantia para que se possa ter o essencial e, assim, ninguém precise trabalhar além do necessário.


Terceiro: desenvolvimento tecnológico radical:

Por radical significa aquilo que vai na raiz de toda questão material: a capacidade de se transcender o reino das necessidades e, assim, o fim de todo trabalho e, portanto, do próprio capital.

Ter o capital trabalhando ou ter que trabalhar

Ter o capital trabalhando para si significa ter a sociedade trabalhando para si. Pode parecer que a pessoa não está fazendo nada, mas bilhões estão trabalhando indiretamente para ela.

Ter que trabalhar significa ou ser um escravo da "sociedade", "civilização", "comunidade", ou aprender a viver na natureza e da natureza - nesse caso, cultivando a própria comida e fabricando seus próprios utensílios e materiais. 

A minha alternativa, se fosse possível agora, seria viver de uma tecnologia que me fornecesse tudo que fosse materialmente necessário, e portanto nem vivendo do capital, nem trabalhando para a "sociedade", "civilização", "comunidade", nem vivendo na e da natureza.

Em suma: não quero ser obrigado a um ofício - nem mesmo acadêmico. Assim, tudo que eu fizesse seria fruto de estar vivendo a minha própria liberdade. Logo, sem estar escravizando nada e ninguém, nem ser obrigado a trabalhar, a interagir, a estar onde e com quem não quisesse estar.

Resumindo: qualquer coisa diferente disso é opressão e normalizar, naturalizar, a opressão.

"Ah, mas eu quero transformar a realidade para um dia chegar a essa liberdade", ou seja: a opressão inclusive nos pressiona a lutar contra ela. Isso não é uma dupla opressão? Não queria nem viver sob a opressão nem me sentir pressionado a lutar contra ela. Queria uma vida livre e cada um no seu canto, simples assim. Isso é tão difícil? 

O escritor e o náufrago

O escritor já está em terra firme, já está, em tese, junto dos outros. O náufrago, seja no mar ou mesmo numa ilha ou costa deserta, está isolado de todo mundo humano: mais do que um mundo de sobrevivência do próprio estômago, é uma luta constante pela integridade da sua psiquê, pelo solo firme do seu eu. Se este eu não é também um outro, alguém capaz de fornecer companhia a si, ele morre.

E o escritor? Vê pessoas: onde mora tem vizinhos, nas ruas têm transeuntes aos milhares, milhões e, englobando todas as vizinhanças e ruas do mundo, bilhões. Mais do que nunca, atualmente, dizem estarmos conectados: correios, telégrafo, telefone, rádio, cabos submarinos, satélites, internet. Mas tecnologias fazem algo? Elas são alguém, ou são um meio? Certo aquele que respondeu "meio": são as pessoas o "alguém", elas que usam essas tecnologias todas. Mas isso basta para efetivamente estarmos conectados? Afinal, o que é esse "estar conectado"? Se ninguém compreende o que o outro quer dizer ou mesmo se as normas para se fazer a comunicação lhe são desconhecidas, sinto muito: o que existe é o mais puro, absoluto, ostracismo, essa cadeia invisível, esse exílio para o meio do nada, enfim, esse naufrágio. E justamente porque está junto dos outros ele não parece um náufrago e, assim, não entendem estar emitindo desesperadamente um SOS. E tampouco ajudaria estar vestido em andrajos: seria reconhecido apenas como mais um morador de rua, um "vagabundo", um "vadio". Agora se uma pessoa está no meio do que todos efetivamente reconhecem ser "um nada", algo no meio de "lugar nenhum", que realmente é visto como "estar sozinho/isolado/perdido", e emite seu SOS e, por um golpe de sorte, este é visto ou ouvido ou lido, este recebe a ajuda vista como necessária para se juntar aos outros - o que não necessariamente é o que o náufrago vê como necessário para si, ainda mais quanto pior a sua condição psíquica (mas mesmo assim é mais socialmente perdoável seu sofrimento do que daquele que sempre esteve junto dos outros: "Ele sim passou por maus bocados; você, não").

Em suma: tal como alguém com um osso quebrado, com algum sofrimento perfeitamente visível, o náufrago tem seu acolhimento. Uma pessoa com o corpo íntegro (ou aparentemente), que nunca se afastou de onde estão os outros, e ainda assim não está integrada, só pode ser vista, minimamente, como estranha: "Teve e tem todas as facilidades, nunca verdadeiramente sofreu nada, e ainda assim diz estar mal, não faz sentido" (admitindo, claro, que essa pessoa tenha vindo de uma classe social minimamente equilibrada materialmente e, portanto, sem ter vivido as mazelas da pobreza - afinal, mesmo o sofrimento do pobre é, em algum grau, socialmente aceito).


Se, a despeito de toda ajuda, o náufrago não melhora, começam a ocorrer as críticas - exceto, claro, se ele tiver piorado a ponto de ser reconhecido como louco, o que também é um sofrimento respeitado e, assim, aceitado. Porque a ajuda, a integração, sempre ocorre da maneira como a sociedade permite e reconhece como válida e aqueles que se consideram benevolentes e são reconhecidos como parte integrada, "produtiva", dela se alimentam disso e não admitem a diferença. E para nosso náufrago recolhido existe um prazo determinado para sua melhora e retorno, "produtivo", a sociedade. E pior: como se trata de alguém que teve uma exposição midiática sofre a pressão desta para sua volta a interação normal, "saudável", com os outros. E no caso do nosso companheiro que nunca se afastou, que sempre esteve aqui, este sofre a pressão condizente a sua classe e círculo sociais (e em certo caso tanto pior para as classes menos abastadas, vistas por todos como aqueles que de fato precisam se inserir, "trabalhar": "Se você tivesse nascido numa família rica poderia ficar vagabundeando o dia todo, mas nós que somos pobres temos que nos virar!" - sem nunca ter ocorrido aos pobres que estes poderiam lutar para todos terem sua liberdade, e portanto satisfação material e tempo livre, pois tal luta é individualizada e, assim, o status quo mantido e reforçado: "Se eu me tornar rico vou poder também ser livre"). Alguém da classe média, esse pobre que não sofreu como os pobres paupérrimos mas também não é rico como os ricos para "ser livre", é justamente o mais discriminado se não se integra: "Sempre teve tudo a mão, nunca passou fome e dificuldades, e está aí de bobeira". Alguém rico, alguém que administra razoavelmente suas finanças, e não se integra é visto belamente, poeticamente, como "excêntrico" (e melhor ainda se se aventura em experiências também vistas como excêntricas, alimentando assim uma imagem socialmente divertida, curiosa, interessante).


Ah, o escritor. O escritor rico pode ser visto como um intelectual, uma pessoa sofisticada, alguém benevolente ou mesmo um excêntrico - ou tudo isso ao mesmo tempo. O escritor pobre é reconhecido por estar expondo ou mesmo denunciando a condição e sofrimento dos pobres e da pobreza, e assim visto como alguém que luta pela justiça. Esses são seus papéis. E o escritor de classe média? Uma vida material relativamente confortável - mas sem a liberdade dos ricos - faz o que? Se luta pelos pobres muitas vezes é acusado de estar tomando destes uma luta que só é deles, pois só os pobres sofreram e sofrem o que é da sua classe. E se não "trabalha" é visto como um estranho (ou vadio, vagabundo e coisas piores) - exceto, claro, se se tornar um acadêmico, e portanto inserido numa instituição "respeitável" (ou se escrever no tempo livre do seu "trabalho", da sua "produção"). Em suma: qual é o que dá justificativa para a pessoa, escritor, de classe média, escrever? Com o que sofre a classe média? Assim como o pobre, com a necessidade de trabalhar, pois seu capital não é suficiente para viver dos rendimentos sobre este. E tal como o rico, com certas violências sutis, violências que não são vistas diretamente, não estão como chagas no corpo: são as violências de toda mesquinharia, as violências psicológicas dos que vivem para o ter, ter e ter: poder, dominação, status. Tais violências, pelo contrário, são vistas como "meritocracia": "Os fracos perecem e devem perecer, os fortes ficam e devem ficar". Eis, assim, o que chamam, "saudavelmente", de competição, concorrência: fazer o possível para usar e/ou destruir os outros e, assim, "se dar bem". E aí volta a questão do rico excêntrico ou mesmo de certos escritores da classe média: não se integrar é não competir, não concorrer, não querer mais, mais e mais - e por isso mesmo muitos desses ricos escritores ou parte dos da classe média, esses "excêntricos" ou "estranhos" (ou "vagabundos", "vadios", etc), escrevem sobre a vida poeticamente, tranquilos em sua condição esplêndida ou relativamente confortável (ou alguns vão para as lutas sociais, tão lindamente empáticos com os menos favorecidos - algumas vezes cabe o sarcasmo, algumas não: eis a diferença entre os que agem simplesmente com filantropia e os que efetivamente querem mudar a coisa toda radicalmente, e daí a diferença entre a "benevolência" e a empatia de fato: uma não altera em nada o status quo e sim só reforça, enquanto a outra compreende, no mínimo, a necessidade de reformas sociais, estruturais, ou mesmo a transformação radical). A classe média, assim, é ameaçada pela ascensão dos pobres e pela pressão dos ricos: ricos e pobres são "competidores" contra a classe média, seja pela tentativa de impedir seu enriquecimento, seja pela possibilidade de seu empobrecimento (e como ela mesma se abastece dos pobres para serem seus trabalhadores e sua potencial ascensão, logo se coloca junto aos ricos quando algo ameaça os custos de possíveis direitos aos pobres - pois para ricos e classe média toda gente pobre se resume a "custo").


Mais "excêntricas" ou "estranhas" (ou "vagabundas", "vadias", etc) ainda são as pessoas ricas ou de classe média que escolheram o caminho de uma "pobreza confortável" ou, melhor ainda, de uma vida minimamente digna. Isso se vê bastante entre aqueles que abandonaram a vida nas cidades e resolveram viver uma "vida simples", apenas com o "essencial" - e daí muitas vezes compram uma terra no campo e se dispõem a cultivar seu próprio alimento e a fabricar seus próprios utensílios e materiais. Estes inclusive são vistos como gente que escolheu o naufrágio, esse isolamento da "civilização" - sem reconhecer que a própria civilização, tão "civilizada", alimentou e alimenta isso. Talvez aí possa existir um Thoreau escrevendo sobre as vantagens e belezas de uma vida assim - inclusive sobre o intercâmbio "necessário", "mínimo", "essencial", a se manter com a "civilização" -, ou também possa haver gente como um Kerouac, fazendo bicos aqui e ali sem estar preso a nada e vivendo e poetando sobre suas infinitas experiências, seus inúmeros "naufrágios".

Um inferno

 Um escritor escreve para sua voz ser ouvida. A significância de um escritor é o reconhecimento de sua voz. Uma voz reconhecida significa sair do inferno para ter algum acolhimento, significa gente interessada em ajudá-lo nesse exílio, em sair da opressão que praticamente o obriga a falar, a gritar, a implorar que essa voz alcance alguém. A opressão é como uma mão na garganta que, ao mesmo tempo procura sufocar, também coloca como urgência o socorro, e disso todas as energias são condensadas nesse último som. Assim sendo, todo som, voz, grito do escritor sempre será seu último grito, pois nunca sabe se aquele é de fato a sua última fala, seu último ato de desespero, seu último sinal de vida antes que a realidade imposta lhe quebre, mais do que todos os seus ossos e órgãos, a sua própria dignidade, integridade, alma.


E aquele que não fala nenhuma língua acaba sendo o pior dos escritores: ninguém o compreende e não existe quem o traduza. A língua é a mediação entre o eu e algum alguém. E a língua não significa apenas a linguagem, e sim as normas pelas quais essa língua pode ser reconhecida como uma linguagem. Se as normas lhe fogem ou são incompreensíveis - ou pior: não consegue ter norma alguma - ele será sempre colocado como um estranho por todos e todos estarão, direta ou indiretamente, colocando suas mãos sobre seu pescoço. "A culpa é dele que não sabe como interagir, se inserir". Culpa, culpa, culpa. Não se pode culpar um bebê de não saber falar claramente, não pode pode culpar um bebê de não seguir as normas, de não tê-las em sua consciência e de praticá-las no seu contato, interação, com os outros: é preciso ser responsável com esse bebê. "Mas ele não é um bebê". Vamos inverter a questão: o quanto cada um realmente não é um bebê? Quando que as palavras e as normas lhes são perfeitamente claras e manipuláveis, quando têm absoluto domínio do seu conhecimento e uso? Nunca ocorreu a alguém ser esse estranho? Não saber como emanar a sua voz, não saber quais as normas pelas quais se deve agir, ou mesmo não conseguir dizer algo sem saber se existia uma língua para aquilo ou se não estaria enfim infringindo alguma norma oculta, alguma norma alheia a seu estado de ignorância? Nesse sentido, em algum grau todos somos esse "estranho", esse "bebê" que precisa de um pouco de paciência, afeto, compreensão - mesmo porque, quando não existe nenhum "a" possível de ser dito duma forma compreensível ao outro, o que sobra ao bebê é o choro, são as suas emoções que emergem suas necessidades, seus desesperos, suas urgências: as emoções dizem. E um berro, esse "a" sem sentido claro, tem na sua violência, no choque que gera nos tímpanos, o seu significado: "socorro!".

sábado, 21 de maio de 2022

Questões sobre a situação atual


1)Conversas com pessoas: ser prolixo: monólogo

   A)Competir para vencer: refutar

      1)Ego destruído, necessidade de auto-estima

        Mudar o mundo e reconhecimento

      2)Argumentação perfeita:

         Expor o máximo de conhecimento

         - Não dar espaço para o outro me refutar

         - Intimidar o outro pelo volume de conhecimento

   B)Ter atenção: ser compreendido

      1)"Eu sou vítima":

        "Preciso que minha argumentação seja perfeita"

        "Que assim finalmente me compreendam"

        "E possam pelo menos me respeitar"

      2)"Eu não consigo compreender os outros":

        Argumento perfeito como:

        - Um discurso que todo tipo de gente entenda

        - Que compense minha deficiência em entender

          Máximo de argumentação e alcance

          Mínimo de imprecisão e limite

2)Faculdade: instituição: insatisfação e solidão

  A)Interesse interdisciplinar

     1)Mudar o mundo: o que é o mundo?

        Compreender o mundo:

         A)Mundo como cotidiano: a vida aqui e agora:

           - A realidade dos sujeitos: ser "prático"/"normal"

           - O que existe de inconsciente e consciente:

             Até que ponto se é "normal"?

        B)Mundo como história

           - Totalidade dos desenvolvimentos humanos:

             Nature-Nurture

           - Como direcionar os desenvolvimentos:

             Existir, viver, ser independente:

             Ciências, filosofia e arte como práxis 

      2)Faculdade como:

         - Porta de entrada à universidade/totalidade

           Ver de tudo, estudar de tudo

         - Entre o foco acadêmico e a urgência de mudar:

           "Muita teoria, pouca prática": academicismo

  B)Instituição e hierarquia:

      Notas:

       - Ser respeitado

       - Ser ignorado

       - Ser desprezado

  C)Confiança em pessoas

     - "Pedir ajuda é o início para ser humilhado"

     - "Ego e competição e nenhuma cooperação"

     - "Interagir: ser exposto: não aceitam os diferentes"

  D)Graduação e desespero:

     "E agora, quem vai me proteger desse mundo?"

      Desistência e perpetuação da vitimização/z.d.c.

3)Tesão e garotas: insegurança e dependência

  A)"Seja homem": transar = masculinidade: obrigação

      Perda da sensibilidade, perda de si:

      Brutalidade: a violência do domínio:

       1)Dominar a garota: "ser dominante":

          Quanto mais "escrava" 

          Mais "homem" o homem se torna

        2)Coisificação: corpo = objeto sexual

           A)Transar e "ser homem"

               Garotas como estatística:

             - Quanto mais "gostosas", mais têm valor

               Mais valor, mais "homem" o homem é

             - Se continuam dando para ele

               Soma ainda mais o valor de "ser homem"

           B)Pornografia: sexo reduzido a meter:

              - Homem reduzido a "metedor": um "pau"

              - Garota reduzida a "metida": uma "buceta"

  B)"Seja uma mãe para mim": bullying e:

     1)Solidão e carinho: carência:

        "Alguém me ame, por favor!"

        - Se impor e conquistar: ter força

        - Impressionar e se vender: ter valor de mercado

     2)Amor e orientação: impotência:

       "Alguém me entenda e me ajude!"

  C)Ser eu: além da insegurança e dependência

     1)Recuperação de mim mesmo:

       - Gostar de mim mesmo: independência

       - Espontaneidade: curtir o momento

     2)Recuperação da sensibilidade:

       - Estar junto por gostar da garota

       - Relação e carinho: o querer bem

     3)A garota como pessoa

        - O que e quem é a garota?

        - O que é amá-la? O que é amar? O que é amor?

        - O que é fazer amor?

     4)Interação:

        - O que e quem eu sou quando estou com ela

        - O que e quem ela é quando comigo

        - Como cada um vê o outro

        - O quanto existe de espontaneidade e interesse

        - O quanto existe de pré-conceito e compreensão

        - Como me afeta a visão:

           - Minha sobre mim mesmo

           - Minha sobre ela

           - Dela sobre mim

4)Diversão: 

   A)Levar as coisas mais leve?

      1)Encanto como canto da sereia:

         O limite do belo

      2)Relaxamento como possibilidade de equilíbrio:

         Diversão como contraponto ao encanto: como?

        O riso como distanciamento crítico?

   B)Conversar com pessoas: para que?

      1)"Um monte de blablablá"

         - "Ignoram tudo que é sério, por isso o mundo..."

         - "O que há de tão bom nesse blablablá todo?"

      2) Livros e objetividade:

        - "Existe lógica: tudo sistematizado e explícito"

        - "Para que interagir se não for para ser objetivo?"

      3)"Ninguém quer realmente conhecer ninguém":

         - "Tudo trivial, tudo tão leve que sai voando"

         - "Risadas tão fáceis que não sei do que riem"

5)Poesia: linguagem real/consciente: deliberada

    A)Busca por harmonia/equilíbrio/integração

       1)Diferentes potencialidades

          - Ignorância: confusão-conflito: fragmentação

          - Conhecimento: coerência e coesão

       2)Da totalidade a radicalidade

         A)Totalidade:

            - Potencialidades

            - Experiências

         B)Radicalidade:

            - Raiz do ser: identidade

            - Integração como compreensão de si:

              O todo enfim unido a identidade:

              Estar e ser consciente de si mesmo

    B)A linguagem como lógica: a definição de tudo

       Compreender a realidade pela sua lógica

      1)Cosmos:

        - O que é a existência?

        - Como é possível existir?

        - Relativity

        - Quantum theory

        - Final theory?

      2)Natureza

         A)Matéria e energia:

             Interação e surgimento/existência

             - Inorgânico

             - Orgânico

          B)Vida: definição e processos

            1)Surgimento/existência

            2)Do gene a consciência

            3)Equilíbrio ecológico

            4)Ser humano e natureza

               A)Subordinado a natureza

                  - Caçador-coletor

                  - Industrial

               B)Emancipado da natureza:

                   Possível desenvolvimento histórico

      3)"Mundo": nature-nurture: a realidade presente

        A)Sistema: macro: capitalismo

          - Condicionantes

          - Limites

        B)Pessoas: micro:

           - Como classe

           - Como indivíduos

        C)História: totalidade

           - Inconsciente: viver sonâmbulo

           - Consciente: viver deliberado

        D)Capital: presença contemporânea

             - Como deus

             - Práxis e possível superação

      4)Existir, viver, ser logicamente: saúde: base: 

          Estrutura para poder existir/viver/ser:

         A)Organismo:

          - Fisiologia

          - Metabolismo

          - Ritmo circadiano

          - Alimentação

             - Respiração

             - Exercícios

                - Físicos

                - Mentais

          B)Vínculos afetivos

          C)Graus de maturidade

          D)Modelo de sociedade:

             1)Possibilidade e graus de igualdades de:

               - Condições

               - Oportunidades

             2)Possibilidade de participação:

               A)Possibilidade e graus de reconhecimento:

                 - Graus de democratização

                 - Graus de humanização  

               B)Graus de liberdades:

                 - Negativa

                 - Positiva

      5)Identidade: o que e como realizar a si mesmo

        A)Dialética e práxis: identidade em realização:

            Possibilidade de estar e ser:

            - Consciente

            - Prático

        B)Identidade real: independência:

            Prática consciente:

            Concretização dos meios

    C)Romance de formação:

      1)Sujeito e pessoa como processos históricos

      2)"Mundo" presente como prática concreta

      3)Para além das sistematizações e ensaios:

          Para além dos idealismos:

          A)Nada de espíritos e metafísica:

             Existências e dinâmicas reais

          B)Pensamento subordinado a prática

             E não a prática subordinada a alguma "Ideia"

      4)Crítica:

        - Ao idealismo dogmático e "crítico"

        - Ao realismo ingênuo: "realismo"

domingo, 1 de maio de 2022

Eu, ateu, e o meu deus

É engraçado, mas desde que comecei a trabalhar meus ressentimentos a fundo parece que perdi todo propósito de qualquer coisa. Os meus dias têm sido os mais preguiçosos, vadios, possíveis. Basicamente: não tenho vontade de fazer absolutamente nada, como se tudo fosse simplesmente vazio. Assim, o "nada" que eu tenho feito, fora dormir, é ficar assistindo alguns animes bobos ou revendo meus animes preferidos. Portanto, uma vida totalmente inútil. E quanto mais me pergunto o que estou fazendo aqui, mais me dá vontade simplesmente de dormir. Eu queria, nesse sentido, um lugar bem frio para poder sempre dormir com cobertor, bem quentinho, aconchegante, confortável, num todo bem fofo, deliciosamente aninhado e nunca mais acordar. Não quero me dedicar a nada: nem a sociedade, nem aos outros, nem a mim mesmo. Tudo antes era tão ridículo, e tudo ainda parece tão ridículo...


Como posso dizer? "Vaidade, tudo vaidade"? "Ego, tudo ego"? Se eu morresse dormindo, simplesmente apagasse, desmanchasse no ar, a minha existência seria simplesmente um nada, e provavelmente tudo estaria bem assim. Quando saio de casa eu me sinto constrangido, até medroso, em lidar com esse ridículo. Simplesmente ele não me diz nada, e por não dizer nada eu me sinto vazio. Dormir me diz algo: o silêncio me diz calma, o calor do cobertor me diz que está gostoso, e o fofo simplesmente me convida a me aninhar ainda mais e me sentir ainda mais feliz, confortável, abraçado, amado. Eu me amo quando estou bem comigo mesmo, quando me sinto bem comigo mesmo. Nada de esforços, sonhos, fantasias, vaidade, ego: tudo ridículo, vazio, angustiante. O que eu posso dizer, fazer, sentir, é só para mim mesmo, e o essencial disso é um retorno a uma existência plenamente radical: estar feliz comigo e apenas comigo mesmo. 


Se for fazer algo, seja ler, refletir, escrever, etc, só na medida em que me sentir bem e me fizer bem. Um passo de cada vez, e se eu estiver disposto, e um descanso de vez em quando, e tanto caminhando quando descansando curtindo o passeio. Que a minha vida seja análoga a alegria de estar na cama: relaxado, despreocupado, em paz, todo livre para viver o que quiser. Talvez o meu cobertor seja a poesia, a minha cama a filosofia, e meu colchão a ciência, e o frio lá fora seja a mais tranquila e serena existência dizendo: "Pode se deitar" - e eu pego meu cobertor e me aninho todo quentinho e feliz.

sábado, 30 de abril de 2022

Interações e relacionamentos

 Eu já me questionava há muitos anos o que é a amizade ou mesmo o amor. Para ser preciso, inconscientemente já me questionava sobre isso desde a adolescência quando dizia a mim mesmo que amizade é algo x e amor é algo y, ou seja: estava em busca de uma definição. Mas o que me levou a tal questionamento e a tais definições? Podemos começar pelo fato de eu não ser uma pessoa normal, e portanto não ter naturalizado em mim as normas e dinâmicas sociais. E também podemos anexar a isso o fato de ter sofrido bullying e ter um monte de carências e ressentimentos. Em suma: se eu vivia num vácuo comunicativo-interativo e sofri as consequências que a sociedade impõe aos "estranhos", procurei satisfazer tanto o vácuo como as carências e ressentimentos através de definições bastante românticas. Ora, se quando criança sonhava, baseado no "De Volta para o Futuro", no meu eu do futuro voltando para cuidar de mim e me educar, praticamente como um pai e mãe de mim mesmo, então os modelos de amizade e amor tinham enorme semelhança com aquele sonho: amigos e namorada que cuidassem de mim e me ajudassem a me orientar, a aprender a viver nesse mundo. E por e romântico? Pessoas em geral não estão interessadas no bem-estar dos outros, elas não estão para orientar, educar, enfim, ajudar o outro a aprender sobre a vida e como viver: para a maioria delas tais atitudes estão relativamente bem resolvidas para si mesmas e só uma criança agiria pedindo ou mesmo exigindo coisas assim dos outros. Pessoas, em suma, estão interessadas no que compete aos adultos: o trabalho, relacionamentos divertidos, atividades divertidas, nada de cuidar do outro - cuidar é para os pais, para a escola, ou para terapeutas. Por isso todas as minhas interações com os outros tinham um tom para lá de infantil, seja no objeto (as romantizações), seja nas atitudes (exigir dos outros - quase num tom de desespero, como uma criança abandonada implorando por acolhimento e ajuda e um pouco de amor). Assim, toda minha filosofia, toda minha leitura e busca até "científica" ou mesmo "revolucionária", tinha esse tom infantil: contra uma sociedade da violência, do abandono, uma sociedade do acolhimento, da compreensão, onde finalmente pudesse se encontrar paz, encontrar amor, e portanto finalmente encontrar orientação adequada para aprender a viver bem e finalmente poder viver bem - mesmo porque encontrava nos ditos "adultos" um monte de incoerências: um fingimento enorme, um teatro, de crianças atuando como quem não são e por ego não querendo admitir para si mesmas que também precisavam de acolhimento e orientação e a própria violência sendo tanto uma atitude de auto-afirmação como de negação.


Voltando: eu não entendo o que sejam amizade e amor. Quando namorava a Lori muitas vezes a deixava em prantos com isso: "Val, você não consegue sentir o que sinto por você?!". Resposta? Não sei. Humanos pré-históricos podiam se juntar para se protegerem e caçar juntos, e sob o aspecto da sobrevivência consigo entender a questão das interações e relações: necessidade: se junta com as pessoas para ter maiores chances de sobrevivência, e se alia, dentro do grupo, aqueles que ampliam ainda mais as possibilidades de sobreviver. Também entendo o instinto sexual: sentir tesão e transar, e portanto se juntar a outra pessoa. Mas o que é de fato amizade? Amor? Ou ainda: o que são interações e relações que não estão voltadas pura e simplesmente para a sobrevivência? Ou talvez refinando mais ainda: o que são atitudes que se embasam nos sentimentos? Daí vem uma nova pergunta: o que é sentir, sem estar relacionado a sobrevivência, algo pelo outro? O meu romantismo era uma luta pela sobrevivência: denunciar a violência existente e a necessidade de acolhimento e orientação. Mas que orientação eu queria? Aprender a viver e, portanto, viver sabendo viver e me sentindo confortável em cima desse conhecimento. Mas o é esse viver? Posso até responder em termos de liberdade negativa: não sofrer nenhuma forma de violência, e portanto a garantia de condições adequadas para viver. Mas daí uma nova pergunta: condições adequadas para se viver que vida? Não basta apenas não estar sofrendo violência, não basta apenas condições materiais e sociais suficientes para ser independente dos outros. É como se dissesse a alguém: "Ok, a tua luta terminou: o que você vai fazer da vida agora que não existem mais guerras para você lutar?". Eis daí sensação de vazio, e daí de duas, uma: ou inicia uma nova guerra, ou se aprende a viver a paz. Mas o que é a paz? O que é uma vida além da violência, além da sobrevivência? As pessoas, em interações saudáveis, brincam, jogam, se divertem, e a partir disso se conhecem e aprendem não só como interagir com os outros como descobrem seus sentimentos pelos outros. Mas o que é esse se divertir, esse brincar, esse jogar, e esse despertar os próprios sentimentos para outra pessoa? Para que serve? Talvez - e provavelmente exista aqui a "magia" da coisa - não sirva para nada. Seja um simples "gostei de você". Certamente existe toda uma identificação com o outro para haver esse "gostei de você", seja do ponto de vista da igualdade, seja do ponto de vista da diferença, e ambos os sentidos a questão da complementaridade ("porque temos interesses e comportamentos iguais podemos nos darmos bem"; "porque temos interesses e comportamentos diferentes podemos nos complementar e nos darmos bem" - embora possa parecer que a igualdade seja mais fácil do que a diferença isso é um preconceito derivado do senso comum, pois mesmo na igualdade existem diferenças e na diferença certas igualdades, e as interações se viciarem por ficarem muito na igualdade ou por forçarem a igualdade). Mas até que ponto essa "identificação" seja um "para que" é também algo discutível, e portanto um retorno ao argumento da sobrevivência: "Eu gosto do outro porque espelha o meu ego" ("para que" <----> "por que"; "para que" = "por que"). 


Enfim, não entendo esse "gostar", esse "sentir", essa vida para além da violência, para além da sobrevivência, essa vida de um puro sentimento. Talvez eu realmente tenha amigos que sintam, que gostem de mim. E talvez, inconscientemente, eu sinta que goste das pessoas que são minhas amigas. Eu me sinto, e isso realmente não existe como negar, como um filho da guerra: uma criança que viu de tudo e, portanto, desconfiada de tudo e todos e, assim sendo, a desconfiança bloqueando ou alienando meus sentimentos e, portanto, levando tudo a sério demais, procurando uma razão por trás de tudo, tornando-me superconsciente de tudo, sempre procurando medir e calcular tudo, e assim não me permitindo sentir, me envolver, interagir, e portanto nem brincar, nem jogar, nem me divertir. "Todos inimigos até segunda ordem".


A desconfiança orienta para a mais pura sobrevivência, como se a vida fosse só luta, só guerra. A sobrevivência não educa para a paz: ela desconfia mais, tem até mais medo, da paz do que da guerra: a guerra é clara, os inimigos são claros, a paz parece uma mentira, uma dissimulação, como se, de repente, as cortinas fossem se abrir e te pegar de surpresa se estiver com a guarda baixa - e por isso mesmo, até inconscientemente, fica o tempo todo testando tudo e todos até seus limites, seja para ver se aquilo realmente é verdadeiro (racional), seja para provocar de novo uma guerra e poder orgulhosamente dizer: "Viu?! Eu sabia que você tudo mentira e que vocês são uns mentirosos!" (emocional). A sobrevivência é, acima de tudo, emocional, e sobreviver, lutar contra tudo e todos e conseguir mais um dia de vida, é o orgulho do sobrevivente. O sobrevivente não precisa de amigos, e sim de aliados ocasionais - dos quais sempre desconfiará e sempre ficará testando - e de eternos inimigos. 

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Tesão e consciência

 O que é o tesão?


Gostaria de poder escolher conscientemente meu caminho. Se for sentir tesão, que eu saiba o que é o tesão, o que me levou a sentir tesão ou se eu tenho a possibilidade de sentir tesão se e tão somente se eu eu compreender bem o que é o tesão, se o tesão é algo bom ou, melhor ainda, em que circunstâncias é bom sentir ou, melhor ainda, o que é desejar sentir tesão e, portanto, decidir quando e por quem sentir.


Em suma: eu quero realmente sentir que sou eu e nada mais que eu quem está caminhando a minha própria vida. Nada de atribuir a minha vida, os meus passos, minhas atitudes, a algo como "instinto", "necessidade", "subjetividade" ou mesmo "vício", "carência", "trauma".


Mais: eu ando bem desgostoso de conversar com pessoas, desse vazio blablablá, e diante disso ainda mais desinteressado, decepcionado, de conversar com uma garota com toda essa expectativa boba de encontrar nela uma pessoa interessante. É fato que de alguma forma alimento expectativas e isso não é algo bom ou ruim em si mesmo. E, no meu caso, gosto de que minhas expectativas também sejam, de certa forma, um filtro para poder não perder tempo com pessoas que não valem o esforço. É preciso aceitar as limitações das pessoas assim como as minhas próprias: as pessoas são livres para viverem como vivem e só elas podem decidir e mudar suas próprias vidas, assim como só eu posso decidir sobre a minha vida e unicamente sobre minha vida. Um diálogo serve para compreender as pessoas e estabelecer uma certa hierarquia nas relações, em graus entre o mais e o menos provável.


Ademais, o que eu busco numa garota? Ou ainda: o que me faz alimentar tal busca? Sendo que sou eu quem decido, eu mesmo tomo as decisões que me prejudicam, e paradoxalmente devido a um senso de recompensa que eu busco. Ser amado significa o prazer de ser amado, e como alguém que se infantiliza, alguém que se vitimiza, faz todo senso esse desespero em "ser amado". "Ser amado": alguma garota que me acolha, me proteja, me dê carinho e, principalmente, faça isso transando comigo. Pois transar é se entregar completamente a mim, significa ser minha, e sendo minha posso ter o completo prazer de tê-la para todo esse prazer de fazer com ela o que eu quiser. Eis o que meu eu atual busca, eis o que meu eu presente também buscava. A diferença é que antes era mais romântico, Idealista, e agora é mais do que nunca imediatista, rude, estúpido, grosseiro, horrível. Aliás, a própria noção de amor e mesmo de sexo, em nossa sociedade, é a de "querer" ser acolhido e de que isso se confirme e reconfirme ad infinitum, ad aeternum, pelo sexo. "Eu como ela toda hora, ela é minha, e ela sente o macho que a toma para si e se sente dele e vive para ele". Famílias autoritárias não dão amor aos filhos. Filhos crescem com a noção de que reconhecimento, amor, conquista, realização, tudo depende da força, da dominação, exploração, da capacidade de submeter, subjugar os outros. E transar é invadir o corpo das mulheres tal como quem se apropria de algo. E nesse jogo as mulheres mais reconhecidas, com mais valor de mercado, se tiverem um mínimo de percepção reconhecem seu preço e fazem todo um monte de medidas para que só os fortes as dominem. Pessoas de menor valor de mercado, seja homens ou mulheres, buscam se oferecer em desespero, muitas vezes com uma noção bastante errônea de seus próprios preços e do valor de troca que aqueles corresponderiam - e daí se tornam pessoas ressentidas que ou ficam se remoendo e fazem um jogo de total desistência e sempre culpando os outros e o sistema e tutti quanti ou os que apelam para valores monetários ou mesmo para a violência. É fato que a sociedade tem seu grau de responsabilidade: quanto mais autoritária mais competitiva e simbiótica. A responsabilidade central, que inclusive permite a sociedade ser e continuar desta forma, é das próprias pessoas: não se trata de fazer os ressentidos agirem como os outros e entrarem no jogo ou de alimentarem pseudo-soluções, e sim de aprenderem a amar a si mesmos. Nesse sentido, não é o outro quem deve oferecer carinho, e sim poder oferecer carinho a si mesmo. E se prende mais ao outro quanto menos desligado da vida, menos ou totalmente vazio de meta e disciplina, é: uma vida, por exemplo, sem objetivo algum é a do bebê que simplesmente fica a mercê de receber tudo dos pais, ou seja: a vítima completa. "A vida é ruim e nada do que eu fizer valerá a pena", e assim fica numa vida onde o único prazer que restou é o de ser assistido - como um rei, ditador, totalmente inútil. Mulheres não estão para homens assim como mulheres não estão para homens. Pessoas maduras, responsáveis, vivem para si mesmas: sabem que sempre foram e são livres e cultivam e usufruem de sua liberdade, por isso são e gostam de si mesmas. Prazeres imediatos são mecanismos de compensação, é o que sobrou para a "vítima". E quanto mais incapaz a pessoa se vê mais simplistas são suas soluções: busca desesperadamente tudo que seja "fácil", i.e., sem resistência alguma - tal como um rei, um ditador, buscam um cosmos totalmente obediente a ele. Fácil se ver como um "inútil" e continuar a ficar numa vida comodista, numa vida onde tudo deva servir a ele, um jardim de delícias onde tudo venha espontaneamente a boca - inclusive já devidamente mastigado, bastando o prazer do sabor (o mais intenso, gostoso, possível, melhor). Do prazer em comer bem ao prazer da masturbação e mesmo do sexo, se tiver poder, força, tudo que possa compensar a própria impotência, melhor: significa algum valor de troca (mesmo que seja a própria chantagem, manipulação, do outro). Se nem isso o impotente é capaz, então o nível de stress - mesmo que busque demonizar o outro como uma válvula de escape - , só aumenta até o nível do esgotamento ou mesmo da destruição da pessoa. Assim, não é o nível de valor social o que está em jogo, e sim a capacidade de uma vida independente. Se se torna refém das dinâmicas e estruturas sociais, autoritárias-simbióticas, acaba nessa paranóia e vício de ficar avaliando constantemente a própria imagem, como se sua vida dependesse disso - o que é completamente diferente de uma pessoa madura, cuja vida está de acordo não com imagens, e sim com atitudes e com sua própria realização a partir dessas atitudes (e daí retomo a velha questão: que vida eu quero viver? - ou ainda: o que significa esse "querer viver a vida"?, e assim retomando a pergunta anterior em toda sua potência).


Uma coisa eu sei: eu não quero uma vida vazia e, portanto, me maltratando através de uma eterna vitimização. A vida que eu quero viver é justamente onde eu me sinta cada vez mais eu, cada vez mais me realizando. Esse "eu" estou a descobrir quanto mais me desvencilho de um falso eu e quanto mais descubro minhas capacidades de agir conscientemente, de um agir que eu saiba realmente que sou eu quem deliberadamente está agindo e sendo. Uma arte de viver é uma arte de se descobrir e de se cuidar e se cultivar, com uma consciência cada vez maior de cada uma de suas células, seus átomos, neurônios, etc, enfim, de todo um estudo que consiga estabelecer a própria consciência de si e para si. Portanto, estou a descobrir que poesia define minha própria identidade, que sinta a integração de mim para comigo mesmo - e daí estar trabalhando na minha própria noção do que seja o belo, do que seja a estética, do que faz eu me sentir vivo - em suma: eu sou o caminho que decidi caminhar, eu sou a linha que decidi escrever.


segunda-feira, 28 de março de 2022

Estranho

O estranho não é nem normal e nem se adapta.


O estranho é um tão diferente que os outros não conseguem estabelecer uma base comum onde seja possível definir aquela pessoa, e assim conseguir enfim interagir com ela.


E por que isso?


As pessoas estão tão acostumadas a normalidade que não conseguem sair disso: seria preciso romper, desnaturalizar, seus comportamentos, assumir a necessidade de novas reflexões e novos desenvolvimentos.


O mais estranho, talvez, seja o indivíduo que formalmente aparente ser normal e que ainda assim ninguém consiga entender como é tão grande sua diferença para com os demais. Ele não é fisicamente nada bizarro (talvez até possa ser uma pessoa bonita ou mesmo muito bonita), ele é capaz de falar com as pessoas, mas ninguém entende o seu mundo - embora ninguém possa acusá-lo de ser louco.


E por isso mesmo me parece que a sociedade poderia considerar o Asperger o estranho por excelência: ele não é nenhum surdo-mudo, ele é capaz de falar e, portanto, de se comunicar com os outros, mas as pessoas não entendem como essa fala consegue ser tão diferente, essa interação seja tão diferente, como se a fala não fosse simplesmente um idioma diferente, e sim refletisse um ser completamente diferente com uma visão também totalmente diferente. Em fato, a sua visão reflete o que ele é, e sua visão, seu ser, se reflete em como ele interage com os outros.


A sua fala também não é a de nenhum louco: ele não fica misturando alhos com bugalhos como se estivesse delirando, falando coisas sem sentido, sem coerência, alguma. É simplesmente que o seu ser não se encaixa nos padrões estabelecidos, e isso com todos se questionando como alguém que, aparentemente, corporal e mentalmente não tenha deficiência alguma, alguém capaz de de se movimentar eficientemente e também de falar racionalmente não seja simplesmente como os demais. Daí de duas, uma: elas tentam se aproximar mas buscando, até inconscientemente (isso quando elas dizem que são empáticas e que respeitam o jeito de ser do outro), forçar nele os padrões delas, ou simplesmente se sentem incapazes, até mesmo medrosas, de interagir com alguém assim, e para mascarar suas próprias impotências e medos se sentem na necessidade de ofendê-lo como o problema fosse ele ("Eu não sou fraco, ele que é estranho") e não a falta de maturidade delas.


Inclusive causa ainda mais estranheza se a pessoa é considerada "inteligente" (ou seja: o que a sociedade considera como inteligência: o pensamento acadêmico, intelectual): "Pode pode alguém tão inteligente não ser, não agir, como a gente?" (o que, aliás, acaba sendo motivo para sofrer ainda mais discriminação pois só reforça a impotência e medo que os outros sentem diante dele). A única exceção feita a regra é se o indivíduo acaba por demonstrar ou desenvolver carisma: aí ele não é mais simplesmente um "estranho", e sim um "gênio" (ainda mais se sua especialidade for o campo lógico-matemático, esse "universo reservado só para os eleitos, sábios, esses seres especiais que estão numa linguagem, realidade, além de nossa compreensão"): "Ele é estranho porque está acima de nós, meros mortais que o admiramos e invejamos" (o que, ironicamente, pode ser outra forma de discriminação: a pessoa colocada num pedestal, num grau inacessível, e portanto contribuindo para uma existência, uma vida, solitária - e os outros exaltando essa sua solidão como um reflexo do ser "incrível" que ele é).

quarta-feira, 9 de março de 2022

Situação atual, passado e indefinição

Nessas horas seria bom estar com uma namorada.

Uma parte de mim quer caminhar, pedalar, agora, e outra parte de mim quer ficar em casa, quer deitar na cama e ficar relaxando.

Mas.

Tivesse uma namorada.

Ela poderia me puxar para caminhar com ela.

Caminharíamos e conversaríamos.

Ou ficaríamos em silêncio e caminhando.

De qualquer forma, seria muito bom.

No meu estado atual, é como se eu só tivesse disposição para ficar no meu canto.


Tá.

Vou tentar ver se pedalo um pouco.

Senão só vou conseguir ficar deitado em posição fetal querendo sentir algo de mim no caso mais drástico de zona de conforto, como se, ao ficar em tal posição, eu só pudesse ficar me acolhendo, como um criança carente de afeto.

Quando adolescente ficava ansioso querendo jogar vôlei, futebol, basquete, o que seja.

Ia até o terraço de casa para olhar, a noite, se a luz da quadra dos mórmons estava ligada.

E, claro, ia se estava acesa.

E me sentia contente gastando a minha energia.

E melhor ainda se ganhasse.

Agora...

Agora sou só eu.

Nenhum jogo, nenhuma diversão.

Nada para se vencer ou perder.

Para me sentir desafiado.

Para que eu precisava de desafio?

Para confirmar minhas capacidades?

Para confirmar inclusive que eu podia mais do que os outros, e portanto me sentir mais seguro de mim?

"Ninguém pode comigo, ninguém pode me vencer, ninguém pode me ameaçar"?

Uma vez fiquei extremamente orgulhoso.

Quando alguém me elogiou jogando futebol.

Que eu enfrentei na raça todos os adversários.

E ganhei.

Eu me senti invencível.

Com pleno gosto pela minha força.

Minha potência.

Minha capacidade de ser.

Para onde foi tudo isso?

Só posso sentir isso sendo desafiado?

Não posso saborear a vida por livre e espontânea vontade?

Sem precisar vencer?

E desenhando?

Eu também queria ser o melhor.

O melhor projetista.

Para saborear o meu sonho.

E ninguém me tirar dele.

Sonhos.

Vitórias e derrotas.

É assim tão banal?

Precisar sempre vencer?

Sempre com e contra um outro?

"Podem tentar me derrubar, mas eu sempre vou vencer?"

E daí vem a questão: para que alguém tentaria me derrubar? Para que pessoas tentam derrubar umas as outras? Para que faziam bullying comigo? 

E eu me sentia um herói: eu queria me sentir o mais forte, o mais capaz, o mais inteligente.

E eu vendia essa imagem.

Provocando e cultivando e recebendo provocações.

Projetar no outro "O Inimigo".

A minha vingança.

Contra todas as hierarquias.

Para eu estar no alto.

E ser O Modelo.

O Bom.

O Bom que todos tentaram sufocar, matar, destruir.

O Bom mais capaz, mais sensível, com todo senso de justiça.

Vencer era justiça.

Vingança.

Ressentimento e vitória.

Ressentimento e inimigo.

Ressentimento e o prazer de fazer o outro se sentir incapaz, de eu ser invencível, de tudo que tentassem contra mim estar fadado ao fracasso.

Daí toda ansiedade.

Daí todo conflito e busca de conflito.

De confronto.

Bater de frente.

"Se os outros podem, por que eu não?"

Curtir a vida.

Sem vitórias ou derrotas.

Sem a grande figura do Outro.

Do Inimigo.

Apenas a minha própria companhia.

E também.

Sem a grande figura da Vítima.

E do "Amor", da garota me protegendo e dando afeto, compadecida de mim como O Coitado.

Bate e se sente O Tal.

Apanha e chora pro colo da Mãe.

Será que viver é só isso?

Ser um corpo também

Recuperar a capacidade de agir

Recuperar a capacidade de sentir


Não ser só uma mente que pensa, que reflete, que lê, que busca conhecimento, que se culpa da própria ignorância e do que fez e não fez e que se vê como um nada procurando se preencher, se construir, como se algum belo dia as nuvens se abrissem e finalmente fizesse um sol calmo, um céu azul cativante, um silêncio tranquilo.


Não basta só sentir.

Sentir sem agir é arrependimento.

Arrependimento que vai cultivando esse nada.

Nada.

Nada de despersonalização.

Nada de desrealização.

Nada que caminha

Caminha 

E caminha

Para o vazio.

O sufocante vazio.

O vazio sem volta.

O sentido do não-sentido.

Para o desaparecimento de qualquer sonho e instinto.

Para a morte.

A morte não é um belo anjo e nem um terrível demônio.

A morte é o indefinido.

Indefinido cuja única forma visível é o caixão.

Ninguém vive a morte.

A morte não existe.

É o eu que não mais existe.


Para agir

Para sentir

É preciso um sonho

É preciso instinto

Para seguir em frente

Para caminhar com os pés no chão

Um pé aqui e outro lá

Um pé lá e outro aqui

Assim

Com calma

Concentrado

Querendo sentir

Querendo agir

E agindo e sentindo

E vivendo

E se sentindo vivo

E querendo estar vivo


Não pedi para existir

Não pedi para estar nesse mundo

E muito menos nesse tipo de sociedade

Por mim

Que os mortos enterrem seus mortos

E me deixem em paz

O desejo de me envolver cada vez menos

Para viver num mundo só meu

De sonhos

Sonhos concretos

Como uma chácara no interior

Meus livros 

Um lugar frio

Com natureza

Com rios

Nada do clima tropical

Em suma: um lugar confortável

Para poder pensar

E também agir

Sem me cansar

Para dormir de cobertor

Para me esquentar numa lareira

Para tomar um bom chá quente

Comer uma torta ou bolo

E me dedicar

Ao meu pequeno, suficiente, paraíso

E finalmente poder ser

Sem mais, nem menos

Com minha arte

domingo, 27 de fevereiro de 2022

 A fome devora

Comer é devorar


Questões devoram

Responder é devorar


Eu me sinto bem, de barriga cheia, quando encontro respostas

Tanto quanto quando como


Estar cheio é reconhecer que se é inteiro

Que em si existem todas as capacidades para agir, viver e ser




quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Sobrevoo

 Estar de sobrevoo, como se tudo fosse um sonho, não é algo ruim em si. É uma completa sensação de vazio, nada como um sonho ou um pesadelo - e portanto palavras como "surreal" ou "dada" são simplesmente fantasias, romantizações, conceitos que não devem ser usados nem como licença poética.


O problema, de fato, é quando se sai desse sobrevoo, quando se aterriza, mesmo que momentaneamente, no mundo, no real. Existe daí um enorme, senão total, descompasso entre esse e aquele, e consequentemente se sente, de uma vez, impiedosamente todo o peso do vazio, aquela dificuldade de se pisar no chão, de reconhecer que o vazio nada permite ali e que o próprio sobrevoo é uma ilusão - talvez protetora, mas só na aparência: surge sempre as fronteiras, formas, indefinidas do vazio, como uma camisa de força que nada enche e nem permite reconhecer que está cheio: insensibiliza e mata - o corpo, a mente, e finalmente o eu. Não era um sonho e nem um pesadelo: era simplesmente a própria realidade do sujeito em sua mais derradeira simbiose: se afundar de vez para nada enfrentar.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

O nada e o vazio

 O nada é impossível. O criar, idem. Mas ainda assim o ser humano imagina ambos. Ele realiza o impossível. E realiza o impossível através de sua própria imaturidade, imaturidade que alimenta o sentido de incompletude, imaturidade que significa não ter desenvolvido a capacidade de olhar para si, se ser ignorante sobre si. Ou seja: a Ignorância alimenta o nada, o nada da incompletude e todos os outros nadas. Mas o nada ainda assim não é o inferno. Ele pode significar conflitos de todo grau e ordem, desde uma discussão boba até uma guerra mundial. Mas tudo isso é legitimado pela sociedade, encontra apoio e conforto. O pior é o vazio. Suicidas fazem o que fazem por não encontrar saída. Isso pode parecer uma afirmação óbvia, bem óbvia: pensa-se no sentido da impotência, da falta de encontrar uma solução. Ora, isso também, mas também é algo além: é se sentir amarrado pelo vazio. Mas o que é o vazio? O vazio não permite a existência nem do nada, não existe nenhuma possibilidade de fuga, nenhum conforto a vista. Diante do vazio, até o sofrimento, a dor, é um alívio: "estou vivo". O vazio é a morte em vida: não se faz, não se sonha, não se pesadela, não se sente e nem sente. É a mais completa despersonalização e desrealização.


No criar o nada o ser humano se sente Deus: ele faz o impossível e o impossível se apresenta a ele. Ele inventa o próprio jogo. Problema é que ele se torna escravo daquilo mesmo que fez ele criar o jogo, e disso escravo também do seu próprio jogo. Deus se vê convertido num anjo caído, num diabo, engolido e digerido pelas próprias condições existentes nele, julgado e condenado pelo próprio Céu ao seu inferno. Disso fica num eterno jogo dentro do próprio jogo de culpa e penitência, como se através disso fosse encontrar uma salvação, algo que caísse diante de seus olhos e lhe permitisse, enfim, voar. O que é o voar? Transcender os limites do próprio corpo e, mais além, da própria matéria. Em suma: ir além da própria realidade, da realidade que ele mesmo converteu em jogo e já não sabe mais diferenciar do próprio jogo. Todo o existente se torna ruim, se torna O Mal. Mas ele mesmo sabe que a salvação não existe, sabe que o que é possível é encontrar espaço, entre semelhantes, para alimentar o próprio ego, seja buscando se fazer um deus onipotente, seja buscando se fazer uma vítima. Em ambos os casos é buscar subverter o próprio jogo: pode ser mais óbvio,explícito isso, no caso do que toma para si a missão de ser um deus: "Eu sou forte e nada me segura"; contudo, a vítima subverte o jogo buscando julgá-lo (Olha o que você fez comigo"), e assim causar constrangimento. Mas o jogo é impessoal: "Só fazemos negócios". Em suma: ele ignora completamente tanto o "deus" como a "vítima". Aliás, quanto mais "deus", quanto mais "vítima", mais entra e se afoga, vicia, no jogo. Porque ir além do jogo é assumir a total responsabilidade pela própria existência, é viver-se, ser-se, e não buscar reconhecimento, não buscar da parte do jogo alguma espécie de comoção, seja no sentido da recompensa ao esforço do "deus", seja quanto a "justiça" para a vítima. "Cair do céu", "salvação", tudo isso é procurar preencher a ilusão de uma incompletude, a ilusão de uma impotência. É a política na sua essência, o jogo no seu domínio: ir atrás do "mais", esse "mais" que saciaria tudo, que saciaria o desespero de se ver impotente, incompleto. Alguém assim não se responsabiliza, não se cultiva, não se descobre, enfim, não amadurece. Tudo que envolve seu eu tem resposta, solução, externa a si.