Eu já me questionava há muitos anos o que é a amizade ou mesmo o amor. Para ser preciso, inconscientemente já me questionava sobre isso desde a adolescência quando dizia a mim mesmo que amizade é algo x e amor é algo y, ou seja: estava em busca de uma definição. Mas o que me levou a tal questionamento e a tais definições? Podemos começar pelo fato de eu não ser uma pessoa normal, e portanto não ter naturalizado em mim as normas e dinâmicas sociais. E também podemos anexar a isso o fato de ter sofrido bullying e ter um monte de carências e ressentimentos. Em suma: se eu vivia num vácuo comunicativo-interativo e sofri as consequências que a sociedade impõe aos "estranhos", procurei satisfazer tanto o vácuo como as carências e ressentimentos através de definições bastante românticas. Ora, se quando criança sonhava, baseado no "De Volta para o Futuro", no meu eu do futuro voltando para cuidar de mim e me educar, praticamente como um pai e mãe de mim mesmo, então os modelos de amizade e amor tinham enorme semelhança com aquele sonho: amigos e namorada que cuidassem de mim e me ajudassem a me orientar, a aprender a viver nesse mundo. E por e romântico? Pessoas em geral não estão interessadas no bem-estar dos outros, elas não estão para orientar, educar, enfim, ajudar o outro a aprender sobre a vida e como viver: para a maioria delas tais atitudes estão relativamente bem resolvidas para si mesmas e só uma criança agiria pedindo ou mesmo exigindo coisas assim dos outros. Pessoas, em suma, estão interessadas no que compete aos adultos: o trabalho, relacionamentos divertidos, atividades divertidas, nada de cuidar do outro - cuidar é para os pais, para a escola, ou para terapeutas. Por isso todas as minhas interações com os outros tinham um tom para lá de infantil, seja no objeto (as romantizações), seja nas atitudes (exigir dos outros - quase num tom de desespero, como uma criança abandonada implorando por acolhimento e ajuda e um pouco de amor). Assim, toda minha filosofia, toda minha leitura e busca até "científica" ou mesmo "revolucionária", tinha esse tom infantil: contra uma sociedade da violência, do abandono, uma sociedade do acolhimento, da compreensão, onde finalmente pudesse se encontrar paz, encontrar amor, e portanto finalmente encontrar orientação adequada para aprender a viver bem e finalmente poder viver bem - mesmo porque encontrava nos ditos "adultos" um monte de incoerências: um fingimento enorme, um teatro, de crianças atuando como quem não são e por ego não querendo admitir para si mesmas que também precisavam de acolhimento e orientação e a própria violência sendo tanto uma atitude de auto-afirmação como de negação.
Voltando: eu não entendo o que sejam amizade e amor. Quando namorava a Lori muitas vezes a deixava em prantos com isso: "Val, você não consegue sentir o que sinto por você?!". Resposta? Não sei. Humanos pré-históricos podiam se juntar para se protegerem e caçar juntos, e sob o aspecto da sobrevivência consigo entender a questão das interações e relações: necessidade: se junta com as pessoas para ter maiores chances de sobrevivência, e se alia, dentro do grupo, aqueles que ampliam ainda mais as possibilidades de sobreviver. Também entendo o instinto sexual: sentir tesão e transar, e portanto se juntar a outra pessoa. Mas o que é de fato amizade? Amor? Ou ainda: o que são interações e relações que não estão voltadas pura e simplesmente para a sobrevivência? Ou talvez refinando mais ainda: o que são atitudes que se embasam nos sentimentos? Daí vem uma nova pergunta: o que é sentir, sem estar relacionado a sobrevivência, algo pelo outro? O meu romantismo era uma luta pela sobrevivência: denunciar a violência existente e a necessidade de acolhimento e orientação. Mas que orientação eu queria? Aprender a viver e, portanto, viver sabendo viver e me sentindo confortável em cima desse conhecimento. Mas o é esse viver? Posso até responder em termos de liberdade negativa: não sofrer nenhuma forma de violência, e portanto a garantia de condições adequadas para viver. Mas daí uma nova pergunta: condições adequadas para se viver que vida? Não basta apenas não estar sofrendo violência, não basta apenas condições materiais e sociais suficientes para ser independente dos outros. É como se dissesse a alguém: "Ok, a tua luta terminou: o que você vai fazer da vida agora que não existem mais guerras para você lutar?". Eis daí sensação de vazio, e daí de duas, uma: ou inicia uma nova guerra, ou se aprende a viver a paz. Mas o que é a paz? O que é uma vida além da violência, além da sobrevivência? As pessoas, em interações saudáveis, brincam, jogam, se divertem, e a partir disso se conhecem e aprendem não só como interagir com os outros como descobrem seus sentimentos pelos outros. Mas o que é esse se divertir, esse brincar, esse jogar, e esse despertar os próprios sentimentos para outra pessoa? Para que serve? Talvez - e provavelmente exista aqui a "magia" da coisa - não sirva para nada. Seja um simples "gostei de você". Certamente existe toda uma identificação com o outro para haver esse "gostei de você", seja do ponto de vista da igualdade, seja do ponto de vista da diferença, e ambos os sentidos a questão da complementaridade ("porque temos interesses e comportamentos iguais podemos nos darmos bem"; "porque temos interesses e comportamentos diferentes podemos nos complementar e nos darmos bem" - embora possa parecer que a igualdade seja mais fácil do que a diferença isso é um preconceito derivado do senso comum, pois mesmo na igualdade existem diferenças e na diferença certas igualdades, e as interações se viciarem por ficarem muito na igualdade ou por forçarem a igualdade). Mas até que ponto essa "identificação" seja um "para que" é também algo discutível, e portanto um retorno ao argumento da sobrevivência: "Eu gosto do outro porque espelha o meu ego" ("para que" <----> "por que"; "para que" = "por que").
Enfim, não entendo esse "gostar", esse "sentir", essa vida para além da violência, para além da sobrevivência, essa vida de um puro sentimento. Talvez eu realmente tenha amigos que sintam, que gostem de mim. E talvez, inconscientemente, eu sinta que goste das pessoas que são minhas amigas. Eu me sinto, e isso realmente não existe como negar, como um filho da guerra: uma criança que viu de tudo e, portanto, desconfiada de tudo e todos e, assim sendo, a desconfiança bloqueando ou alienando meus sentimentos e, portanto, levando tudo a sério demais, procurando uma razão por trás de tudo, tornando-me superconsciente de tudo, sempre procurando medir e calcular tudo, e assim não me permitindo sentir, me envolver, interagir, e portanto nem brincar, nem jogar, nem me divertir. "Todos inimigos até segunda ordem".
A desconfiança orienta para a mais pura sobrevivência, como se a vida fosse só luta, só guerra. A sobrevivência não educa para a paz: ela desconfia mais, tem até mais medo, da paz do que da guerra: a guerra é clara, os inimigos são claros, a paz parece uma mentira, uma dissimulação, como se, de repente, as cortinas fossem se abrir e te pegar de surpresa se estiver com a guarda baixa - e por isso mesmo, até inconscientemente, fica o tempo todo testando tudo e todos até seus limites, seja para ver se aquilo realmente é verdadeiro (racional), seja para provocar de novo uma guerra e poder orgulhosamente dizer: "Viu?! Eu sabia que você tudo mentira e que vocês são uns mentirosos!" (emocional). A sobrevivência é, acima de tudo, emocional, e sobreviver, lutar contra tudo e todos e conseguir mais um dia de vida, é o orgulho do sobrevivente. O sobrevivente não precisa de amigos, e sim de aliados ocasionais - dos quais sempre desconfiará e sempre ficará testando - e de eternos inimigos.
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