Recuperar a capacidade de agir
Recuperar a capacidade de sentir
Não ser só uma mente que pensa, que reflete, que lê, que busca conhecimento, que se culpa da própria ignorância e do que fez e não fez e que se vê como um nada procurando se preencher, se construir, como se algum belo dia as nuvens se abrissem e finalmente fizesse um sol calmo, um céu azul cativante, um silêncio tranquilo.
Não basta só sentir.
Sentir sem agir é arrependimento.
Arrependimento que vai cultivando esse nada.
Nada.
Nada de despersonalização.
Nada de desrealização.
Nada que caminha
Caminha
E caminha
Para o vazio.
O sufocante vazio.
O vazio sem volta.
O sentido do não-sentido.
Para o desaparecimento de qualquer sonho e instinto.
Para a morte.
A morte não é um belo anjo e nem um terrível demônio.
A morte é o indefinido.
Indefinido cuja única forma visível é o caixão.
Ninguém vive a morte.
A morte não existe.
É o eu que não mais existe.
Para agir
Para sentir
É preciso um sonho
É preciso instinto
Para seguir em frente
Para caminhar com os pés no chão
Um pé aqui e outro lá
Um pé lá e outro aqui
Assim
Com calma
Concentrado
Querendo sentir
Querendo agir
E agindo e sentindo
E vivendo
E se sentindo vivo
E querendo estar vivo
Não pedi para existir
Não pedi para estar nesse mundo
E muito menos nesse tipo de sociedade
Por mim
Que os mortos enterrem seus mortos
E me deixem em paz
O desejo de me envolver cada vez menos
Para viver num mundo só meu
De sonhos
Sonhos concretos
Como uma chácara no interior
Meus livros
Um lugar frio
Com natureza
Com rios
Nada do clima tropical
Em suma: um lugar confortável
Para poder pensar
E também agir
Sem me cansar
Para dormir de cobertor
Para me esquentar numa lareira
Para tomar um bom chá quente
Comer uma torta ou bolo
E me dedicar
Ao meu pequeno, suficiente, paraíso
E finalmente poder ser
Sem mais, nem menos
Com minha arte
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