quarta-feira, 9 de março de 2022

Ser um corpo também

Recuperar a capacidade de agir

Recuperar a capacidade de sentir


Não ser só uma mente que pensa, que reflete, que lê, que busca conhecimento, que se culpa da própria ignorância e do que fez e não fez e que se vê como um nada procurando se preencher, se construir, como se algum belo dia as nuvens se abrissem e finalmente fizesse um sol calmo, um céu azul cativante, um silêncio tranquilo.


Não basta só sentir.

Sentir sem agir é arrependimento.

Arrependimento que vai cultivando esse nada.

Nada.

Nada de despersonalização.

Nada de desrealização.

Nada que caminha

Caminha 

E caminha

Para o vazio.

O sufocante vazio.

O vazio sem volta.

O sentido do não-sentido.

Para o desaparecimento de qualquer sonho e instinto.

Para a morte.

A morte não é um belo anjo e nem um terrível demônio.

A morte é o indefinido.

Indefinido cuja única forma visível é o caixão.

Ninguém vive a morte.

A morte não existe.

É o eu que não mais existe.


Para agir

Para sentir

É preciso um sonho

É preciso instinto

Para seguir em frente

Para caminhar com os pés no chão

Um pé aqui e outro lá

Um pé lá e outro aqui

Assim

Com calma

Concentrado

Querendo sentir

Querendo agir

E agindo e sentindo

E vivendo

E se sentindo vivo

E querendo estar vivo


Não pedi para existir

Não pedi para estar nesse mundo

E muito menos nesse tipo de sociedade

Por mim

Que os mortos enterrem seus mortos

E me deixem em paz

O desejo de me envolver cada vez menos

Para viver num mundo só meu

De sonhos

Sonhos concretos

Como uma chácara no interior

Meus livros 

Um lugar frio

Com natureza

Com rios

Nada do clima tropical

Em suma: um lugar confortável

Para poder pensar

E também agir

Sem me cansar

Para dormir de cobertor

Para me esquentar numa lareira

Para tomar um bom chá quente

Comer uma torta ou bolo

E me dedicar

Ao meu pequeno, suficiente, paraíso

E finalmente poder ser

Sem mais, nem menos

Com minha arte

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