domingo, 6 de fevereiro de 2022

O nada e o vazio

 O nada é impossível. O criar, idem. Mas ainda assim o ser humano imagina ambos. Ele realiza o impossível. E realiza o impossível através de sua própria imaturidade, imaturidade que alimenta o sentido de incompletude, imaturidade que significa não ter desenvolvido a capacidade de olhar para si, se ser ignorante sobre si. Ou seja: a Ignorância alimenta o nada, o nada da incompletude e todos os outros nadas. Mas o nada ainda assim não é o inferno. Ele pode significar conflitos de todo grau e ordem, desde uma discussão boba até uma guerra mundial. Mas tudo isso é legitimado pela sociedade, encontra apoio e conforto. O pior é o vazio. Suicidas fazem o que fazem por não encontrar saída. Isso pode parecer uma afirmação óbvia, bem óbvia: pensa-se no sentido da impotência, da falta de encontrar uma solução. Ora, isso também, mas também é algo além: é se sentir amarrado pelo vazio. Mas o que é o vazio? O vazio não permite a existência nem do nada, não existe nenhuma possibilidade de fuga, nenhum conforto a vista. Diante do vazio, até o sofrimento, a dor, é um alívio: "estou vivo". O vazio é a morte em vida: não se faz, não se sonha, não se pesadela, não se sente e nem sente. É a mais completa despersonalização e desrealização.


No criar o nada o ser humano se sente Deus: ele faz o impossível e o impossível se apresenta a ele. Ele inventa o próprio jogo. Problema é que ele se torna escravo daquilo mesmo que fez ele criar o jogo, e disso escravo também do seu próprio jogo. Deus se vê convertido num anjo caído, num diabo, engolido e digerido pelas próprias condições existentes nele, julgado e condenado pelo próprio Céu ao seu inferno. Disso fica num eterno jogo dentro do próprio jogo de culpa e penitência, como se através disso fosse encontrar uma salvação, algo que caísse diante de seus olhos e lhe permitisse, enfim, voar. O que é o voar? Transcender os limites do próprio corpo e, mais além, da própria matéria. Em suma: ir além da própria realidade, da realidade que ele mesmo converteu em jogo e já não sabe mais diferenciar do próprio jogo. Todo o existente se torna ruim, se torna O Mal. Mas ele mesmo sabe que a salvação não existe, sabe que o que é possível é encontrar espaço, entre semelhantes, para alimentar o próprio ego, seja buscando se fazer um deus onipotente, seja buscando se fazer uma vítima. Em ambos os casos é buscar subverter o próprio jogo: pode ser mais óbvio,explícito isso, no caso do que toma para si a missão de ser um deus: "Eu sou forte e nada me segura"; contudo, a vítima subverte o jogo buscando julgá-lo (Olha o que você fez comigo"), e assim causar constrangimento. Mas o jogo é impessoal: "Só fazemos negócios". Em suma: ele ignora completamente tanto o "deus" como a "vítima". Aliás, quanto mais "deus", quanto mais "vítima", mais entra e se afoga, vicia, no jogo. Porque ir além do jogo é assumir a total responsabilidade pela própria existência, é viver-se, ser-se, e não buscar reconhecimento, não buscar da parte do jogo alguma espécie de comoção, seja no sentido da recompensa ao esforço do "deus", seja quanto a "justiça" para a vítima. "Cair do céu", "salvação", tudo isso é procurar preencher a ilusão de uma incompletude, a ilusão de uma impotência. É a política na sua essência, o jogo no seu domínio: ir atrás do "mais", esse "mais" que saciaria tudo, que saciaria o desespero de se ver impotente, incompleto. Alguém assim não se responsabiliza, não se cultiva, não se descobre, enfim, não amadurece. Tudo que envolve seu eu tem resposta, solução, externa a si.

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