sexta-feira, 17 de julho de 2009

Esperança: abrem-se as cortinas.



Ela se aprontava com esmero. Reunia nesse cesto de vime todos os seus livros, um pedaço de torta de limão e uma pequena térmica recheada de café bem quente. Abriu por um segundo e sentiu o cheiro perfumado da bebida. Fechou com segurança.

Lá fora esta sua bicicleta. Aro 26, vermelha, com uma cestinha e pneus de banda branca. A esperava de frente ao pequeno portão de madeira que encerrava os limites do jardim com a rua. Apoiada no pezinho, a aguardava. Sem se cansar. Reluzia com a luz dos carros que passavam na rua.

Trocava de roupa. Tirou a que vestia e via seu belo corpo, ela era bem definida e de belas curvas. Sentia-se poderosa. Colocou algo apropriado.

Um pequeno vestido que realçava sua beleza. Queria sentir a si mesma.

Era oportuno.

Já havia estudado a todos os movimentos, todos os cenários. Havia se preparado em todo seu esplendor.

Colocou um pequeno sapato.
Havia silêncio. Abriu a porta do seu quarto. Caminhou pela sala.
Chegou até o sofá e abriu as cortinas. Estrelas.
Primeiro ato.

Passeou. Girou a maçaneta. Ar fresco.
Perfumado.
Suave.
Amada.

Não titubeou momento algum, pois gostava do aroma daquele ambiente. O couro era macio e vestia tão bem quanto seu vestido. Sentada, apenas meditava.

Caminhou.
O orvalho nas rosas.

Abriu o acesso, segurou o guidão e foi ao mundo.

Sentou-se no selim e pedalava.
Sentia-se excitada.
Calor e vento. Carícias. Sonhos.
Abraçada.

Pelas vias foi-se como uma brisa. Os automóveis passavam indiferentes, ainda que seus donos vissem como era formidável aquela garota que seguia. Não havia muito que fazer: estavam todos muito cansados, e a atmosfera densa de suas vidas não lhes permitia navegar quando não havia farol na alvorada.

Girava os pedais e a lanterna da bicicleta iluminava o asfalto.
Saia das ruas para chegar ao campo.
Por uma estrada de terra. Pneu com solo. Música.
Era alto.

As luzes dos postes ficavam para trás.
Os sonhos dos outros estavam passados.
Que cidade?
Não havia mais idade.

A escuridão era uma mera convenção. A luz de seu girar de pedais era segura como sua autora. Além disso, os vaga-lumes eram bons guias: aos transeuntes que confiam na natureza eles se apresentam, pois sabem que ali existe amizade.
Sabia que era uma floresta devido as suas precauções. Contava uma vida que ansiava. Tinha feito academia para modelar o físico, havia preparado todas as suas poesias e pinturas, jogava xadrez e dama sem igual.

Sendo uma dama que jogava dama, sabia da sua sexualidade: era mulher com tal firmeza que o seu real prazer estava em tocar e abraçar, porque queria fazer justiça mesmo a uma pedra que anseia, solitária, por compreensão.

Sempre fora sua intenção.
Deixou ali o aparato.
Seguiu sem o sapato.
Segundo ato.

Os pés ao solo.
A relva amortecia.
Conhecia.
Como as palmas de sua mão.

Era justiça real: amava ao mundo sem igual. Não era como aquela dama que, feita de pedra, dupla e infinitamente cega, segurava impotente uma espada que nada corta e uma balança que nada mede. Esta justiça não ama nem odeia, essa justiça não é justiça nem injustiça: é submissa.

Tinha uma premissa.
Carregava uma vela.
E uma lanterna.
Uma missa.

No morro de uma árvore só.
Acendeu a vela.
A luz amarela.
Nostalgia.

Ela usava inteligência e exercia influência . Era ciência. Amor com eficiência.

Logo, a lanterna.
Luz branca.
Infância.
Importância.

Estava deitada junto a árvore com as costas encostadas nela. Era um solo misturado a grama e rochas, formado de tal jeito ali que era como uma cama. O passado sempre é dourado, e o futuro branco. Quando criança, gostava de observar, nas viagens pelas estradas, a luz branca das cidades lá longe, como se em meio a escuridão trilhar o caminho até a claridade fosse uma aventura dos mistérios da escuridão até a maturidade de todas as cores reunidas. Compreendia que engatinhava pelo mundo aprendendo a andar.

Assim, era mulher em totalidade: mãe de si mesma.

Abriu a cesta calmamente. Tomou nas mãos a torta, os livros e o café. Tinha também um isqueiro.

Precisava aquecer-se. Tomou os livros e os arrumou com capricho numa pilha, tendo antes cavado um buraco e inserí-los ali. Pegou sua página preferida e ali, com o instrumento, cuspiu fogo.

A chama prontamente se fez presente, irradiando no escuro com suas cores vibrantes. Dançava. “Não é lindo?”.



Postado por Val às 19:57

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