sábado, 30 de abril de 2022

Interações e relacionamentos

 Eu já me questionava há muitos anos o que é a amizade ou mesmo o amor. Para ser preciso, inconscientemente já me questionava sobre isso desde a adolescência quando dizia a mim mesmo que amizade é algo x e amor é algo y, ou seja: estava em busca de uma definição. Mas o que me levou a tal questionamento e a tais definições? Podemos começar pelo fato de eu não ser uma pessoa normal, e portanto não ter naturalizado em mim as normas e dinâmicas sociais. E também podemos anexar a isso o fato de ter sofrido bullying e ter um monte de carências e ressentimentos. Em suma: se eu vivia num vácuo comunicativo-interativo e sofri as consequências que a sociedade impõe aos "estranhos", procurei satisfazer tanto o vácuo como as carências e ressentimentos através de definições bastante românticas. Ora, se quando criança sonhava, baseado no "De Volta para o Futuro", no meu eu do futuro voltando para cuidar de mim e me educar, praticamente como um pai e mãe de mim mesmo, então os modelos de amizade e amor tinham enorme semelhança com aquele sonho: amigos e namorada que cuidassem de mim e me ajudassem a me orientar, a aprender a viver nesse mundo. E por e romântico? Pessoas em geral não estão interessadas no bem-estar dos outros, elas não estão para orientar, educar, enfim, ajudar o outro a aprender sobre a vida e como viver: para a maioria delas tais atitudes estão relativamente bem resolvidas para si mesmas e só uma criança agiria pedindo ou mesmo exigindo coisas assim dos outros. Pessoas, em suma, estão interessadas no que compete aos adultos: o trabalho, relacionamentos divertidos, atividades divertidas, nada de cuidar do outro - cuidar é para os pais, para a escola, ou para terapeutas. Por isso todas as minhas interações com os outros tinham um tom para lá de infantil, seja no objeto (as romantizações), seja nas atitudes (exigir dos outros - quase num tom de desespero, como uma criança abandonada implorando por acolhimento e ajuda e um pouco de amor). Assim, toda minha filosofia, toda minha leitura e busca até "científica" ou mesmo "revolucionária", tinha esse tom infantil: contra uma sociedade da violência, do abandono, uma sociedade do acolhimento, da compreensão, onde finalmente pudesse se encontrar paz, encontrar amor, e portanto finalmente encontrar orientação adequada para aprender a viver bem e finalmente poder viver bem - mesmo porque encontrava nos ditos "adultos" um monte de incoerências: um fingimento enorme, um teatro, de crianças atuando como quem não são e por ego não querendo admitir para si mesmas que também precisavam de acolhimento e orientação e a própria violência sendo tanto uma atitude de auto-afirmação como de negação.


Voltando: eu não entendo o que sejam amizade e amor. Quando namorava a Lori muitas vezes a deixava em prantos com isso: "Val, você não consegue sentir o que sinto por você?!". Resposta? Não sei. Humanos pré-históricos podiam se juntar para se protegerem e caçar juntos, e sob o aspecto da sobrevivência consigo entender a questão das interações e relações: necessidade: se junta com as pessoas para ter maiores chances de sobrevivência, e se alia, dentro do grupo, aqueles que ampliam ainda mais as possibilidades de sobreviver. Também entendo o instinto sexual: sentir tesão e transar, e portanto se juntar a outra pessoa. Mas o que é de fato amizade? Amor? Ou ainda: o que são interações e relações que não estão voltadas pura e simplesmente para a sobrevivência? Ou talvez refinando mais ainda: o que são atitudes que se embasam nos sentimentos? Daí vem uma nova pergunta: o que é sentir, sem estar relacionado a sobrevivência, algo pelo outro? O meu romantismo era uma luta pela sobrevivência: denunciar a violência existente e a necessidade de acolhimento e orientação. Mas que orientação eu queria? Aprender a viver e, portanto, viver sabendo viver e me sentindo confortável em cima desse conhecimento. Mas o é esse viver? Posso até responder em termos de liberdade negativa: não sofrer nenhuma forma de violência, e portanto a garantia de condições adequadas para viver. Mas daí uma nova pergunta: condições adequadas para se viver que vida? Não basta apenas não estar sofrendo violência, não basta apenas condições materiais e sociais suficientes para ser independente dos outros. É como se dissesse a alguém: "Ok, a tua luta terminou: o que você vai fazer da vida agora que não existem mais guerras para você lutar?". Eis daí sensação de vazio, e daí de duas, uma: ou inicia uma nova guerra, ou se aprende a viver a paz. Mas o que é a paz? O que é uma vida além da violência, além da sobrevivência? As pessoas, em interações saudáveis, brincam, jogam, se divertem, e a partir disso se conhecem e aprendem não só como interagir com os outros como descobrem seus sentimentos pelos outros. Mas o que é esse se divertir, esse brincar, esse jogar, e esse despertar os próprios sentimentos para outra pessoa? Para que serve? Talvez - e provavelmente exista aqui a "magia" da coisa - não sirva para nada. Seja um simples "gostei de você". Certamente existe toda uma identificação com o outro para haver esse "gostei de você", seja do ponto de vista da igualdade, seja do ponto de vista da diferença, e ambos os sentidos a questão da complementaridade ("porque temos interesses e comportamentos iguais podemos nos darmos bem"; "porque temos interesses e comportamentos diferentes podemos nos complementar e nos darmos bem" - embora possa parecer que a igualdade seja mais fácil do que a diferença isso é um preconceito derivado do senso comum, pois mesmo na igualdade existem diferenças e na diferença certas igualdades, e as interações se viciarem por ficarem muito na igualdade ou por forçarem a igualdade). Mas até que ponto essa "identificação" seja um "para que" é também algo discutível, e portanto um retorno ao argumento da sobrevivência: "Eu gosto do outro porque espelha o meu ego" ("para que" <----> "por que"; "para que" = "por que"). 


Enfim, não entendo esse "gostar", esse "sentir", essa vida para além da violência, para além da sobrevivência, essa vida de um puro sentimento. Talvez eu realmente tenha amigos que sintam, que gostem de mim. E talvez, inconscientemente, eu sinta que goste das pessoas que são minhas amigas. Eu me sinto, e isso realmente não existe como negar, como um filho da guerra: uma criança que viu de tudo e, portanto, desconfiada de tudo e todos e, assim sendo, a desconfiança bloqueando ou alienando meus sentimentos e, portanto, levando tudo a sério demais, procurando uma razão por trás de tudo, tornando-me superconsciente de tudo, sempre procurando medir e calcular tudo, e assim não me permitindo sentir, me envolver, interagir, e portanto nem brincar, nem jogar, nem me divertir. "Todos inimigos até segunda ordem".


A desconfiança orienta para a mais pura sobrevivência, como se a vida fosse só luta, só guerra. A sobrevivência não educa para a paz: ela desconfia mais, tem até mais medo, da paz do que da guerra: a guerra é clara, os inimigos são claros, a paz parece uma mentira, uma dissimulação, como se, de repente, as cortinas fossem se abrir e te pegar de surpresa se estiver com a guarda baixa - e por isso mesmo, até inconscientemente, fica o tempo todo testando tudo e todos até seus limites, seja para ver se aquilo realmente é verdadeiro (racional), seja para provocar de novo uma guerra e poder orgulhosamente dizer: "Viu?! Eu sabia que você tudo mentira e que vocês são uns mentirosos!" (emocional). A sobrevivência é, acima de tudo, emocional, e sobreviver, lutar contra tudo e todos e conseguir mais um dia de vida, é o orgulho do sobrevivente. O sobrevivente não precisa de amigos, e sim de aliados ocasionais - dos quais sempre desconfiará e sempre ficará testando - e de eternos inimigos. 

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Tesão e consciência

 O que é o tesão?


Gostaria de poder escolher conscientemente meu caminho. Se for sentir tesão, que eu saiba o que é o tesão, o que me levou a sentir tesão ou se eu tenho a possibilidade de sentir tesão se e tão somente se eu eu compreender bem o que é o tesão, se o tesão é algo bom ou, melhor ainda, em que circunstâncias é bom sentir ou, melhor ainda, o que é desejar sentir tesão e, portanto, decidir quando e por quem sentir.


Em suma: eu quero realmente sentir que sou eu e nada mais que eu quem está caminhando a minha própria vida. Nada de atribuir a minha vida, os meus passos, minhas atitudes, a algo como "instinto", "necessidade", "subjetividade" ou mesmo "vício", "carência", "trauma".


Mais: eu ando bem desgostoso de conversar com pessoas, desse vazio blablablá, e diante disso ainda mais desinteressado, decepcionado, de conversar com uma garota com toda essa expectativa boba de encontrar nela uma pessoa interessante. É fato que de alguma forma alimento expectativas e isso não é algo bom ou ruim em si mesmo. E, no meu caso, gosto de que minhas expectativas também sejam, de certa forma, um filtro para poder não perder tempo com pessoas que não valem o esforço. É preciso aceitar as limitações das pessoas assim como as minhas próprias: as pessoas são livres para viverem como vivem e só elas podem decidir e mudar suas próprias vidas, assim como só eu posso decidir sobre a minha vida e unicamente sobre minha vida. Um diálogo serve para compreender as pessoas e estabelecer uma certa hierarquia nas relações, em graus entre o mais e o menos provável.


Ademais, o que eu busco numa garota? Ou ainda: o que me faz alimentar tal busca? Sendo que sou eu quem decido, eu mesmo tomo as decisões que me prejudicam, e paradoxalmente devido a um senso de recompensa que eu busco. Ser amado significa o prazer de ser amado, e como alguém que se infantiliza, alguém que se vitimiza, faz todo senso esse desespero em "ser amado". "Ser amado": alguma garota que me acolha, me proteja, me dê carinho e, principalmente, faça isso transando comigo. Pois transar é se entregar completamente a mim, significa ser minha, e sendo minha posso ter o completo prazer de tê-la para todo esse prazer de fazer com ela o que eu quiser. Eis o que meu eu atual busca, eis o que meu eu presente também buscava. A diferença é que antes era mais romântico, Idealista, e agora é mais do que nunca imediatista, rude, estúpido, grosseiro, horrível. Aliás, a própria noção de amor e mesmo de sexo, em nossa sociedade, é a de "querer" ser acolhido e de que isso se confirme e reconfirme ad infinitum, ad aeternum, pelo sexo. "Eu como ela toda hora, ela é minha, e ela sente o macho que a toma para si e se sente dele e vive para ele". Famílias autoritárias não dão amor aos filhos. Filhos crescem com a noção de que reconhecimento, amor, conquista, realização, tudo depende da força, da dominação, exploração, da capacidade de submeter, subjugar os outros. E transar é invadir o corpo das mulheres tal como quem se apropria de algo. E nesse jogo as mulheres mais reconhecidas, com mais valor de mercado, se tiverem um mínimo de percepção reconhecem seu preço e fazem todo um monte de medidas para que só os fortes as dominem. Pessoas de menor valor de mercado, seja homens ou mulheres, buscam se oferecer em desespero, muitas vezes com uma noção bastante errônea de seus próprios preços e do valor de troca que aqueles corresponderiam - e daí se tornam pessoas ressentidas que ou ficam se remoendo e fazem um jogo de total desistência e sempre culpando os outros e o sistema e tutti quanti ou os que apelam para valores monetários ou mesmo para a violência. É fato que a sociedade tem seu grau de responsabilidade: quanto mais autoritária mais competitiva e simbiótica. A responsabilidade central, que inclusive permite a sociedade ser e continuar desta forma, é das próprias pessoas: não se trata de fazer os ressentidos agirem como os outros e entrarem no jogo ou de alimentarem pseudo-soluções, e sim de aprenderem a amar a si mesmos. Nesse sentido, não é o outro quem deve oferecer carinho, e sim poder oferecer carinho a si mesmo. E se prende mais ao outro quanto menos desligado da vida, menos ou totalmente vazio de meta e disciplina, é: uma vida, por exemplo, sem objetivo algum é a do bebê que simplesmente fica a mercê de receber tudo dos pais, ou seja: a vítima completa. "A vida é ruim e nada do que eu fizer valerá a pena", e assim fica numa vida onde o único prazer que restou é o de ser assistido - como um rei, ditador, totalmente inútil. Mulheres não estão para homens assim como mulheres não estão para homens. Pessoas maduras, responsáveis, vivem para si mesmas: sabem que sempre foram e são livres e cultivam e usufruem de sua liberdade, por isso são e gostam de si mesmas. Prazeres imediatos são mecanismos de compensação, é o que sobrou para a "vítima". E quanto mais incapaz a pessoa se vê mais simplistas são suas soluções: busca desesperadamente tudo que seja "fácil", i.e., sem resistência alguma - tal como um rei, um ditador, buscam um cosmos totalmente obediente a ele. Fácil se ver como um "inútil" e continuar a ficar numa vida comodista, numa vida onde tudo deva servir a ele, um jardim de delícias onde tudo venha espontaneamente a boca - inclusive já devidamente mastigado, bastando o prazer do sabor (o mais intenso, gostoso, possível, melhor). Do prazer em comer bem ao prazer da masturbação e mesmo do sexo, se tiver poder, força, tudo que possa compensar a própria impotência, melhor: significa algum valor de troca (mesmo que seja a própria chantagem, manipulação, do outro). Se nem isso o impotente é capaz, então o nível de stress - mesmo que busque demonizar o outro como uma válvula de escape - , só aumenta até o nível do esgotamento ou mesmo da destruição da pessoa. Assim, não é o nível de valor social o que está em jogo, e sim a capacidade de uma vida independente. Se se torna refém das dinâmicas e estruturas sociais, autoritárias-simbióticas, acaba nessa paranóia e vício de ficar avaliando constantemente a própria imagem, como se sua vida dependesse disso - o que é completamente diferente de uma pessoa madura, cuja vida está de acordo não com imagens, e sim com atitudes e com sua própria realização a partir dessas atitudes (e daí retomo a velha questão: que vida eu quero viver? - ou ainda: o que significa esse "querer viver a vida"?, e assim retomando a pergunta anterior em toda sua potência).


Uma coisa eu sei: eu não quero uma vida vazia e, portanto, me maltratando através de uma eterna vitimização. A vida que eu quero viver é justamente onde eu me sinta cada vez mais eu, cada vez mais me realizando. Esse "eu" estou a descobrir quanto mais me desvencilho de um falso eu e quanto mais descubro minhas capacidades de agir conscientemente, de um agir que eu saiba realmente que sou eu quem deliberadamente está agindo e sendo. Uma arte de viver é uma arte de se descobrir e de se cuidar e se cultivar, com uma consciência cada vez maior de cada uma de suas células, seus átomos, neurônios, etc, enfim, de todo um estudo que consiga estabelecer a própria consciência de si e para si. Portanto, estou a descobrir que poesia define minha própria identidade, que sinta a integração de mim para comigo mesmo - e daí estar trabalhando na minha própria noção do que seja o belo, do que seja a estética, do que faz eu me sentir vivo - em suma: eu sou o caminho que decidi caminhar, eu sou a linha que decidi escrever.