O estranho não é nem normal e nem se adapta.
O estranho é um tão diferente que os outros não conseguem estabelecer uma base comum onde seja possível definir aquela pessoa, e assim conseguir enfim interagir com ela.
E por que isso?
As pessoas estão tão acostumadas a normalidade que não conseguem sair disso: seria preciso romper, desnaturalizar, seus comportamentos, assumir a necessidade de novas reflexões e novos desenvolvimentos.
O mais estranho, talvez, seja o indivíduo que formalmente aparente ser normal e que ainda assim ninguém consiga entender como é tão grande sua diferença para com os demais. Ele não é fisicamente nada bizarro (talvez até possa ser uma pessoa bonita ou mesmo muito bonita), ele é capaz de falar com as pessoas, mas ninguém entende o seu mundo - embora ninguém possa acusá-lo de ser louco.
E por isso mesmo me parece que a sociedade poderia considerar o Asperger o estranho por excelência: ele não é nenhum surdo-mudo, ele é capaz de falar e, portanto, de se comunicar com os outros, mas as pessoas não entendem como essa fala consegue ser tão diferente, essa interação seja tão diferente, como se a fala não fosse simplesmente um idioma diferente, e sim refletisse um ser completamente diferente com uma visão também totalmente diferente. Em fato, a sua visão reflete o que ele é, e sua visão, seu ser, se reflete em como ele interage com os outros.
A sua fala também não é a de nenhum louco: ele não fica misturando alhos com bugalhos como se estivesse delirando, falando coisas sem sentido, sem coerência, alguma. É simplesmente que o seu ser não se encaixa nos padrões estabelecidos, e isso com todos se questionando como alguém que, aparentemente, corporal e mentalmente não tenha deficiência alguma, alguém capaz de de se movimentar eficientemente e também de falar racionalmente não seja simplesmente como os demais. Daí de duas, uma: elas tentam se aproximar mas buscando, até inconscientemente (isso quando elas dizem que são empáticas e que respeitam o jeito de ser do outro), forçar nele os padrões delas, ou simplesmente se sentem incapazes, até mesmo medrosas, de interagir com alguém assim, e para mascarar suas próprias impotências e medos se sentem na necessidade de ofendê-lo como o problema fosse ele ("Eu não sou fraco, ele que é estranho") e não a falta de maturidade delas.
Inclusive causa ainda mais estranheza se a pessoa é considerada "inteligente" (ou seja: o que a sociedade considera como inteligência: o pensamento acadêmico, intelectual): "Pode pode alguém tão inteligente não ser, não agir, como a gente?" (o que, aliás, acaba sendo motivo para sofrer ainda mais discriminação pois só reforça a impotência e medo que os outros sentem diante dele). A única exceção feita a regra é se o indivíduo acaba por demonstrar ou desenvolver carisma: aí ele não é mais simplesmente um "estranho", e sim um "gênio" (ainda mais se sua especialidade for o campo lógico-matemático, esse "universo reservado só para os eleitos, sábios, esses seres especiais que estão numa linguagem, realidade, além de nossa compreensão"): "Ele é estranho porque está acima de nós, meros mortais que o admiramos e invejamos" (o que, ironicamente, pode ser outra forma de discriminação: a pessoa colocada num pedestal, num grau inacessível, e portanto contribuindo para uma existência, uma vida, solitária - e os outros exaltando essa sua solidão como um reflexo do ser "incrível" que ele é).