domingo, 27 de fevereiro de 2022

 A fome devora

Comer é devorar


Questões devoram

Responder é devorar


Eu me sinto bem, de barriga cheia, quando encontro respostas

Tanto quanto quando como


Estar cheio é reconhecer que se é inteiro

Que em si existem todas as capacidades para agir, viver e ser




quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Sobrevoo

 Estar de sobrevoo, como se tudo fosse um sonho, não é algo ruim em si. É uma completa sensação de vazio, nada como um sonho ou um pesadelo - e portanto palavras como "surreal" ou "dada" são simplesmente fantasias, romantizações, conceitos que não devem ser usados nem como licença poética.


O problema, de fato, é quando se sai desse sobrevoo, quando se aterriza, mesmo que momentaneamente, no mundo, no real. Existe daí um enorme, senão total, descompasso entre esse e aquele, e consequentemente se sente, de uma vez, impiedosamente todo o peso do vazio, aquela dificuldade de se pisar no chão, de reconhecer que o vazio nada permite ali e que o próprio sobrevoo é uma ilusão - talvez protetora, mas só na aparência: surge sempre as fronteiras, formas, indefinidas do vazio, como uma camisa de força que nada enche e nem permite reconhecer que está cheio: insensibiliza e mata - o corpo, a mente, e finalmente o eu. Não era um sonho e nem um pesadelo: era simplesmente a própria realidade do sujeito em sua mais derradeira simbiose: se afundar de vez para nada enfrentar.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

O nada e o vazio

 O nada é impossível. O criar, idem. Mas ainda assim o ser humano imagina ambos. Ele realiza o impossível. E realiza o impossível através de sua própria imaturidade, imaturidade que alimenta o sentido de incompletude, imaturidade que significa não ter desenvolvido a capacidade de olhar para si, se ser ignorante sobre si. Ou seja: a Ignorância alimenta o nada, o nada da incompletude e todos os outros nadas. Mas o nada ainda assim não é o inferno. Ele pode significar conflitos de todo grau e ordem, desde uma discussão boba até uma guerra mundial. Mas tudo isso é legitimado pela sociedade, encontra apoio e conforto. O pior é o vazio. Suicidas fazem o que fazem por não encontrar saída. Isso pode parecer uma afirmação óbvia, bem óbvia: pensa-se no sentido da impotência, da falta de encontrar uma solução. Ora, isso também, mas também é algo além: é se sentir amarrado pelo vazio. Mas o que é o vazio? O vazio não permite a existência nem do nada, não existe nenhuma possibilidade de fuga, nenhum conforto a vista. Diante do vazio, até o sofrimento, a dor, é um alívio: "estou vivo". O vazio é a morte em vida: não se faz, não se sonha, não se pesadela, não se sente e nem sente. É a mais completa despersonalização e desrealização.


No criar o nada o ser humano se sente Deus: ele faz o impossível e o impossível se apresenta a ele. Ele inventa o próprio jogo. Problema é que ele se torna escravo daquilo mesmo que fez ele criar o jogo, e disso escravo também do seu próprio jogo. Deus se vê convertido num anjo caído, num diabo, engolido e digerido pelas próprias condições existentes nele, julgado e condenado pelo próprio Céu ao seu inferno. Disso fica num eterno jogo dentro do próprio jogo de culpa e penitência, como se através disso fosse encontrar uma salvação, algo que caísse diante de seus olhos e lhe permitisse, enfim, voar. O que é o voar? Transcender os limites do próprio corpo e, mais além, da própria matéria. Em suma: ir além da própria realidade, da realidade que ele mesmo converteu em jogo e já não sabe mais diferenciar do próprio jogo. Todo o existente se torna ruim, se torna O Mal. Mas ele mesmo sabe que a salvação não existe, sabe que o que é possível é encontrar espaço, entre semelhantes, para alimentar o próprio ego, seja buscando se fazer um deus onipotente, seja buscando se fazer uma vítima. Em ambos os casos é buscar subverter o próprio jogo: pode ser mais óbvio,explícito isso, no caso do que toma para si a missão de ser um deus: "Eu sou forte e nada me segura"; contudo, a vítima subverte o jogo buscando julgá-lo (Olha o que você fez comigo"), e assim causar constrangimento. Mas o jogo é impessoal: "Só fazemos negócios". Em suma: ele ignora completamente tanto o "deus" como a "vítima". Aliás, quanto mais "deus", quanto mais "vítima", mais entra e se afoga, vicia, no jogo. Porque ir além do jogo é assumir a total responsabilidade pela própria existência, é viver-se, ser-se, e não buscar reconhecimento, não buscar da parte do jogo alguma espécie de comoção, seja no sentido da recompensa ao esforço do "deus", seja quanto a "justiça" para a vítima. "Cair do céu", "salvação", tudo isso é procurar preencher a ilusão de uma incompletude, a ilusão de uma impotência. É a política na sua essência, o jogo no seu domínio: ir atrás do "mais", esse "mais" que saciaria tudo, que saciaria o desespero de se ver impotente, incompleto. Alguém assim não se responsabiliza, não se cultiva, não se descobre, enfim, não amadurece. Tudo que envolve seu eu tem resposta, solução, externa a si.