quinta-feira, 28 de julho de 2022

Autoritarismo


1)"Cala a boca ou vou te bater"


1.A)"Você é um merda que depende de mim e tem mais é que calar a boca e me obedecer"

1.B)"Aprenda a obedecer ou senão só vai apanhar"


2) "Você é um bosta e eu mando aqui"


2.A)"Não está satisfeito pode ir embora"

2.B)"Você é um merda e não vai sobreviver sem mim"


3)"Se você não aprender a obedecer o mundo vai te matar de fome"


3.A)"Quem você acha que é, seu merda?!"

3.B)"Ou se adapta e aprende a estar no mundo e algum dia você poder mandar em algo ou seja ignorado porque ninguém vai te ajudar ou te dar a mínima"

3.B.1)"Nenhum amigo teu vai querer saber de sustentar vagabundo"

3.B.2)"Você só tem amigo enquanto não depende deles para nada"

3.B.3)"Teus amigos te acham esquisito, doido, louco, e só estão com você enquanto você tem algo a oferecer para eles"


4)"Engole essa merda de choro ou vai apanhar ou pode te arrancar de casa e procurar a tua turma ou morrer de fome que você não sabe fazer nada e ninguém vai sustentar vagabundo e mais ainda um louco como você!!"


4.A)"Você por acaso é um maricas, um viadinho?!"

4.B)"Precisa aprender a levantar essa cabeça e ser homem!"

4.C)"Gente fraca tem mais é que se foder, mesmo!"


5)"Um homem precisa brigar"


5.A)"Se você não briga os outros pulam em cima"

5.B)"O que não mata, fortalece"

5.C)"Eu estou bem assim porque briguei a vida toda"

5.D)"Sinto saudade de poder brigar, era muito bom":

"Filho, você não tem noção de como era bom quando era mais jovem. Juntava os meus amigos para brigar com a turma do outro bairro, a gente batia e também apanhava e saía dando risada"

"Filho, você nunca vai ter noção de como é bom conquistar algo por vontade própria"



segunda-feira, 11 de julho de 2022

Luta social ou buscar uma vida simples? Ou ambos?

Se se precisa lutar contra a opressão, qual o menor grau de opressão para se poder viver o máximo de liberdade e, portanto, não só não se sentir sufocado como ter prazer tanto em estar vivendo bem consigo mesmo como em colaborar para uma mudança radical e para a liberdade de todos?


Em suma: como poder estar contente curtindo a vida e também contente em estar atuando no mundo?


Primeiro: a luta por uma "vida simples":

O que isso significa? Contra o produtivismo-consumismo que obriga as pessoas a uma vida e esforço fúteis e que as escraviza ainda mais a partir da divinização e superfluidade das coisas.

Significa investigar e reconhecer o que de fato é o essencial e, portanto, a refletir sobre o que é uma boa vida e concretizá-la.


Segundo: renda mínima:

Viver possuindo o essencial e, assim, cada vez mais tempo e espaço livres - resumindo: uma vida cada vez mais livre. A renda mínima é a garantia para que se possa ter o essencial e, assim, ninguém precise trabalhar além do necessário.


Terceiro: desenvolvimento tecnológico radical:

Por radical significa aquilo que vai na raiz de toda questão material: a capacidade de se transcender o reino das necessidades e, assim, o fim de todo trabalho e, portanto, do próprio capital.

Ter o capital trabalhando ou ter que trabalhar

Ter o capital trabalhando para si significa ter a sociedade trabalhando para si. Pode parecer que a pessoa não está fazendo nada, mas bilhões estão trabalhando indiretamente para ela.

Ter que trabalhar significa ou ser um escravo da "sociedade", "civilização", "comunidade", ou aprender a viver na natureza e da natureza - nesse caso, cultivando a própria comida e fabricando seus próprios utensílios e materiais. 

A minha alternativa, se fosse possível agora, seria viver de uma tecnologia que me fornecesse tudo que fosse materialmente necessário, e portanto nem vivendo do capital, nem trabalhando para a "sociedade", "civilização", "comunidade", nem vivendo na e da natureza.

Em suma: não quero ser obrigado a um ofício - nem mesmo acadêmico. Assim, tudo que eu fizesse seria fruto de estar vivendo a minha própria liberdade. Logo, sem estar escravizando nada e ninguém, nem ser obrigado a trabalhar, a interagir, a estar onde e com quem não quisesse estar.

Resumindo: qualquer coisa diferente disso é opressão e normalizar, naturalizar, a opressão.

"Ah, mas eu quero transformar a realidade para um dia chegar a essa liberdade", ou seja: a opressão inclusive nos pressiona a lutar contra ela. Isso não é uma dupla opressão? Não queria nem viver sob a opressão nem me sentir pressionado a lutar contra ela. Queria uma vida livre e cada um no seu canto, simples assim. Isso é tão difícil? 

O escritor e o náufrago

O escritor já está em terra firme, já está, em tese, junto dos outros. O náufrago, seja no mar ou mesmo numa ilha ou costa deserta, está isolado de todo mundo humano: mais do que um mundo de sobrevivência do próprio estômago, é uma luta constante pela integridade da sua psiquê, pelo solo firme do seu eu. Se este eu não é também um outro, alguém capaz de fornecer companhia a si, ele morre.

E o escritor? Vê pessoas: onde mora tem vizinhos, nas ruas têm transeuntes aos milhares, milhões e, englobando todas as vizinhanças e ruas do mundo, bilhões. Mais do que nunca, atualmente, dizem estarmos conectados: correios, telégrafo, telefone, rádio, cabos submarinos, satélites, internet. Mas tecnologias fazem algo? Elas são alguém, ou são um meio? Certo aquele que respondeu "meio": são as pessoas o "alguém", elas que usam essas tecnologias todas. Mas isso basta para efetivamente estarmos conectados? Afinal, o que é esse "estar conectado"? Se ninguém compreende o que o outro quer dizer ou mesmo se as normas para se fazer a comunicação lhe são desconhecidas, sinto muito: o que existe é o mais puro, absoluto, ostracismo, essa cadeia invisível, esse exílio para o meio do nada, enfim, esse naufrágio. E justamente porque está junto dos outros ele não parece um náufrago e, assim, não entendem estar emitindo desesperadamente um SOS. E tampouco ajudaria estar vestido em andrajos: seria reconhecido apenas como mais um morador de rua, um "vagabundo", um "vadio". Agora se uma pessoa está no meio do que todos efetivamente reconhecem ser "um nada", algo no meio de "lugar nenhum", que realmente é visto como "estar sozinho/isolado/perdido", e emite seu SOS e, por um golpe de sorte, este é visto ou ouvido ou lido, este recebe a ajuda vista como necessária para se juntar aos outros - o que não necessariamente é o que o náufrago vê como necessário para si, ainda mais quanto pior a sua condição psíquica (mas mesmo assim é mais socialmente perdoável seu sofrimento do que daquele que sempre esteve junto dos outros: "Ele sim passou por maus bocados; você, não").

Em suma: tal como alguém com um osso quebrado, com algum sofrimento perfeitamente visível, o náufrago tem seu acolhimento. Uma pessoa com o corpo íntegro (ou aparentemente), que nunca se afastou de onde estão os outros, e ainda assim não está integrada, só pode ser vista, minimamente, como estranha: "Teve e tem todas as facilidades, nunca verdadeiramente sofreu nada, e ainda assim diz estar mal, não faz sentido" (admitindo, claro, que essa pessoa tenha vindo de uma classe social minimamente equilibrada materialmente e, portanto, sem ter vivido as mazelas da pobreza - afinal, mesmo o sofrimento do pobre é, em algum grau, socialmente aceito).


Se, a despeito de toda ajuda, o náufrago não melhora, começam a ocorrer as críticas - exceto, claro, se ele tiver piorado a ponto de ser reconhecido como louco, o que também é um sofrimento respeitado e, assim, aceitado. Porque a ajuda, a integração, sempre ocorre da maneira como a sociedade permite e reconhece como válida e aqueles que se consideram benevolentes e são reconhecidos como parte integrada, "produtiva", dela se alimentam disso e não admitem a diferença. E para nosso náufrago recolhido existe um prazo determinado para sua melhora e retorno, "produtivo", a sociedade. E pior: como se trata de alguém que teve uma exposição midiática sofre a pressão desta para sua volta a interação normal, "saudável", com os outros. E no caso do nosso companheiro que nunca se afastou, que sempre esteve aqui, este sofre a pressão condizente a sua classe e círculo sociais (e em certo caso tanto pior para as classes menos abastadas, vistas por todos como aqueles que de fato precisam se inserir, "trabalhar": "Se você tivesse nascido numa família rica poderia ficar vagabundeando o dia todo, mas nós que somos pobres temos que nos virar!" - sem nunca ter ocorrido aos pobres que estes poderiam lutar para todos terem sua liberdade, e portanto satisfação material e tempo livre, pois tal luta é individualizada e, assim, o status quo mantido e reforçado: "Se eu me tornar rico vou poder também ser livre"). Alguém da classe média, esse pobre que não sofreu como os pobres paupérrimos mas também não é rico como os ricos para "ser livre", é justamente o mais discriminado se não se integra: "Sempre teve tudo a mão, nunca passou fome e dificuldades, e está aí de bobeira". Alguém rico, alguém que administra razoavelmente suas finanças, e não se integra é visto belamente, poeticamente, como "excêntrico" (e melhor ainda se se aventura em experiências também vistas como excêntricas, alimentando assim uma imagem socialmente divertida, curiosa, interessante).


Ah, o escritor. O escritor rico pode ser visto como um intelectual, uma pessoa sofisticada, alguém benevolente ou mesmo um excêntrico - ou tudo isso ao mesmo tempo. O escritor pobre é reconhecido por estar expondo ou mesmo denunciando a condição e sofrimento dos pobres e da pobreza, e assim visto como alguém que luta pela justiça. Esses são seus papéis. E o escritor de classe média? Uma vida material relativamente confortável - mas sem a liberdade dos ricos - faz o que? Se luta pelos pobres muitas vezes é acusado de estar tomando destes uma luta que só é deles, pois só os pobres sofreram e sofrem o que é da sua classe. E se não "trabalha" é visto como um estranho (ou vadio, vagabundo e coisas piores) - exceto, claro, se se tornar um acadêmico, e portanto inserido numa instituição "respeitável" (ou se escrever no tempo livre do seu "trabalho", da sua "produção"). Em suma: qual é o que dá justificativa para a pessoa, escritor, de classe média, escrever? Com o que sofre a classe média? Assim como o pobre, com a necessidade de trabalhar, pois seu capital não é suficiente para viver dos rendimentos sobre este. E tal como o rico, com certas violências sutis, violências que não são vistas diretamente, não estão como chagas no corpo: são as violências de toda mesquinharia, as violências psicológicas dos que vivem para o ter, ter e ter: poder, dominação, status. Tais violências, pelo contrário, são vistas como "meritocracia": "Os fracos perecem e devem perecer, os fortes ficam e devem ficar". Eis, assim, o que chamam, "saudavelmente", de competição, concorrência: fazer o possível para usar e/ou destruir os outros e, assim, "se dar bem". E aí volta a questão do rico excêntrico ou mesmo de certos escritores da classe média: não se integrar é não competir, não concorrer, não querer mais, mais e mais - e por isso mesmo muitos desses ricos escritores ou parte dos da classe média, esses "excêntricos" ou "estranhos" (ou "vagabundos", "vadios", etc), escrevem sobre a vida poeticamente, tranquilos em sua condição esplêndida ou relativamente confortável (ou alguns vão para as lutas sociais, tão lindamente empáticos com os menos favorecidos - algumas vezes cabe o sarcasmo, algumas não: eis a diferença entre os que agem simplesmente com filantropia e os que efetivamente querem mudar a coisa toda radicalmente, e daí a diferença entre a "benevolência" e a empatia de fato: uma não altera em nada o status quo e sim só reforça, enquanto a outra compreende, no mínimo, a necessidade de reformas sociais, estruturais, ou mesmo a transformação radical). A classe média, assim, é ameaçada pela ascensão dos pobres e pela pressão dos ricos: ricos e pobres são "competidores" contra a classe média, seja pela tentativa de impedir seu enriquecimento, seja pela possibilidade de seu empobrecimento (e como ela mesma se abastece dos pobres para serem seus trabalhadores e sua potencial ascensão, logo se coloca junto aos ricos quando algo ameaça os custos de possíveis direitos aos pobres - pois para ricos e classe média toda gente pobre se resume a "custo").


Mais "excêntricas" ou "estranhas" (ou "vagabundas", "vadias", etc) ainda são as pessoas ricas ou de classe média que escolheram o caminho de uma "pobreza confortável" ou, melhor ainda, de uma vida minimamente digna. Isso se vê bastante entre aqueles que abandonaram a vida nas cidades e resolveram viver uma "vida simples", apenas com o "essencial" - e daí muitas vezes compram uma terra no campo e se dispõem a cultivar seu próprio alimento e a fabricar seus próprios utensílios e materiais. Estes inclusive são vistos como gente que escolheu o naufrágio, esse isolamento da "civilização" - sem reconhecer que a própria civilização, tão "civilizada", alimentou e alimenta isso. Talvez aí possa existir um Thoreau escrevendo sobre as vantagens e belezas de uma vida assim - inclusive sobre o intercâmbio "necessário", "mínimo", "essencial", a se manter com a "civilização" -, ou também possa haver gente como um Kerouac, fazendo bicos aqui e ali sem estar preso a nada e vivendo e poetando sobre suas infinitas experiências, seus inúmeros "naufrágios".

Um inferno

 Um escritor escreve para sua voz ser ouvida. A significância de um escritor é o reconhecimento de sua voz. Uma voz reconhecida significa sair do inferno para ter algum acolhimento, significa gente interessada em ajudá-lo nesse exílio, em sair da opressão que praticamente o obriga a falar, a gritar, a implorar que essa voz alcance alguém. A opressão é como uma mão na garganta que, ao mesmo tempo procura sufocar, também coloca como urgência o socorro, e disso todas as energias são condensadas nesse último som. Assim sendo, todo som, voz, grito do escritor sempre será seu último grito, pois nunca sabe se aquele é de fato a sua última fala, seu último ato de desespero, seu último sinal de vida antes que a realidade imposta lhe quebre, mais do que todos os seus ossos e órgãos, a sua própria dignidade, integridade, alma.


E aquele que não fala nenhuma língua acaba sendo o pior dos escritores: ninguém o compreende e não existe quem o traduza. A língua é a mediação entre o eu e algum alguém. E a língua não significa apenas a linguagem, e sim as normas pelas quais essa língua pode ser reconhecida como uma linguagem. Se as normas lhe fogem ou são incompreensíveis - ou pior: não consegue ter norma alguma - ele será sempre colocado como um estranho por todos e todos estarão, direta ou indiretamente, colocando suas mãos sobre seu pescoço. "A culpa é dele que não sabe como interagir, se inserir". Culpa, culpa, culpa. Não se pode culpar um bebê de não saber falar claramente, não pode pode culpar um bebê de não seguir as normas, de não tê-las em sua consciência e de praticá-las no seu contato, interação, com os outros: é preciso ser responsável com esse bebê. "Mas ele não é um bebê". Vamos inverter a questão: o quanto cada um realmente não é um bebê? Quando que as palavras e as normas lhes são perfeitamente claras e manipuláveis, quando têm absoluto domínio do seu conhecimento e uso? Nunca ocorreu a alguém ser esse estranho? Não saber como emanar a sua voz, não saber quais as normas pelas quais se deve agir, ou mesmo não conseguir dizer algo sem saber se existia uma língua para aquilo ou se não estaria enfim infringindo alguma norma oculta, alguma norma alheia a seu estado de ignorância? Nesse sentido, em algum grau todos somos esse "estranho", esse "bebê" que precisa de um pouco de paciência, afeto, compreensão - mesmo porque, quando não existe nenhum "a" possível de ser dito duma forma compreensível ao outro, o que sobra ao bebê é o choro, são as suas emoções que emergem suas necessidades, seus desesperos, suas urgências: as emoções dizem. E um berro, esse "a" sem sentido claro, tem na sua violência, no choque que gera nos tímpanos, o seu significado: "socorro!".