"Perdoe-me, minha amada,
Eu ainda continuo aquela criança desamparada.
O meu ego ainda ferido
Clamando um poema antigo
Fazendo pose de carente e impotente
E não encontro em mim nenhum amigo
Passei anos a espreita
Fazendo muita besteira
E só encontrei muita tristeza
Nenhuma carta na mesa"
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Deste Modo Ou Daquele Modo
Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras.
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos.
(Alberto Caeiro)
Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras.
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos.
(Alberto Caeiro)
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Divagações
"Soubesse eu rir e chorar, soubesse eu sentir, eu poderia saber como ouvir e falar, eu poderia compreender o drama humano e o próprio ser humano"
---------------------------------------------------------------------
"O trabalho que realmente me faria sentir bem seria aquele onde pudesse trabalhar tanto a minha individualidade (e portanto minha capacidade de ser pleno de mim mesmo, e assim me amar) como a minha humanidade (e assim poder aprender e saber como ouvir e falar com o outro, sentir e se emocionar com o outro; poderia finalmente amar o outro e me sentir bem com o outro)"
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"Amar é também paixão. Paixão não é amor"
"Soubesse eu rir e chorar, soubesse eu sentir, eu poderia saber como ouvir e falar, eu poderia compreender o drama humano e o próprio ser humano"
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"O trabalho que realmente me faria sentir bem seria aquele onde pudesse trabalhar tanto a minha individualidade (e portanto minha capacidade de ser pleno de mim mesmo, e assim me amar) como a minha humanidade (e assim poder aprender e saber como ouvir e falar com o outro, sentir e se emocionar com o outro; poderia finalmente amar o outro e me sentir bem com o outro)"
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"Amar é também paixão. Paixão não é amor"
terça-feira, 17 de maio de 2011
Amar
Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
(Carlos Drummond de Andrade)
Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
(Carlos Drummond de Andrade)
O Valioso Tempo dos Maduros
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.
Quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!
Mário de Andrade (1893-1945)
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.
Quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!
Mário de Andrade (1893-1945)
terça-feira, 3 de maio de 2011
sábado, 23 de abril de 2011
Mein Herz ist Traurig
Mein Herz, mein Herz ist traurig,
Doch lustig leuchtet der Mai;
Ich stehe, gelehnt an der Linde,
Hoch auf der alten Bastei.
Da drunten fließt der blaue
Stadtgraben in stiller Ruh';
Ein Knabe fährt im Kahne,
Und angelt und pfeift dazu.
Jenseits erheben sich freundlich,
In winziger, bunter Gestalt,
Lusthäuser, und Gärten, und Menschen,
und Ochsen, und Wiesen, und Wald.
Die Mägde bleichen Wäsche,
Und springen im Gras' herum:
Das Mühlrad stäubt Diamanten,
Ich höre sein fernes Gesumm'.
Am alten grauen Turme
Ein Schilderhäuschen steht;
Ein rotgeröckter Bursche
Dort auf und nieder geht.
Er spielt mit seiner Flinte,
Die funkelt im Sonnenrot,
Er präsentiert und schultert -
Ich wollt', er schösse mich tod.
(Heinrich Heine)
Mein Herz, mein Herz ist traurig,
Doch lustig leuchtet der Mai;
Ich stehe, gelehnt an der Linde,
Hoch auf der alten Bastei.
Da drunten fließt der blaue
Stadtgraben in stiller Ruh';
Ein Knabe fährt im Kahne,
Und angelt und pfeift dazu.
Jenseits erheben sich freundlich,
In winziger, bunter Gestalt,
Lusthäuser, und Gärten, und Menschen,
und Ochsen, und Wiesen, und Wald.
Die Mägde bleichen Wäsche,
Und springen im Gras' herum:
Das Mühlrad stäubt Diamanten,
Ich höre sein fernes Gesumm'.
Am alten grauen Turme
Ein Schilderhäuschen steht;
Ein rotgeröckter Bursche
Dort auf und nieder geht.
Er spielt mit seiner Flinte,
Die funkelt im Sonnenrot,
Er präsentiert und schultert -
Ich wollt', er schösse mich tod.
(Heinrich Heine)
quarta-feira, 20 de abril de 2011
segunda-feira, 18 de abril de 2011
sábado, 16 de abril de 2011
Os Níveis do Ser Humano*
Há alguns anos, um buscador aproximou-se de um Mestre da
Arte Real (um verdadeiro Místico) e perguntou-lhe:
- Mestre, gostaria muito de saber por que razão os seres humanos
guerreiam-se e por que não conseguem entender-se, por mais que
apregoem estar buscando a Paz e o entendimento, por mais que apregoem
o Amor e por mais que afirmem abominar o Ódio.
- Essa é uma pergunta muito séria. Gerações e gerações a têm feito e
não conseguiram uma resposta satisfatória, por não se darem conta de
que tudo é uma questão de nível evolutivo. A grande maioria da
Humanidade do Planeta Terra está vivendo atualmente no nível 1.
Muitos outros, no nível 2 e alguns outros no nível 3. Essa é a grande
maioria. Alguns poucos já conseguiram atingir o nível 4, pouquíssimos
o nível 5, raríssimos o nível 6 e somente de mil em mil anos aparece
algum que atingiu o nível 7.
- Mas, Mestre, que níveis são esses?
- Não adiantaria nada explicá-los, pois além de não entender, também,
logo em seguida, você os esqueceria e esqueceria também a explicação.
Assim, prefiro levá-lo numa viagem mental, para realizar uma série de
experimentos e aí, então, tenho certeza, você vivenciará e saberá
exatamente o que são esses níveis, cada um deles, nos seus mínimos
detalhes.
Colocou, então, as pontas de dois dedos na testa do
consulente e, imediatamente, ambos estavam em um outro local, em
outra dimensão do Espaço e do Tempo.
O local era uma espécie de bosque, e um homem se
aproximava deles. Ao chegar mais perto, disse-lhe o Mestre:
- Dê-lhe um tapa no rosto.
- Mas por quê? Ele não me fez nada…
- Faz parte do experimento. Dê-lhe um tapa, não muito forte, mas dê-
lhe um tapa!
E o homem aproximou-se mais do Mestre e do consulente.
Este, então, chegou até o homem, pediu-lhe que parasse e, sem nenhum
aviso, deu-lhe um tapa que estalou.
Imediatamente, como se fosse feito de mola, o
desconhecido revidou com uma saraivada de socos e o consulente foi ao
chão, por causa do inesperado do ataque.
Instantaneamente, como num passe de mágica, o Mestre e o
consulente já estavam em outro lugar, muito semelhante ao primeiro e
outro homem se aproximava. O Mestre, então comentou:
- Agora, você já sabe como reage um homem do nível 1. Não pensa. Age
mecanicamente. Revida sem pensar. Aprendeu a agir dessa maneira e
esse aprendizado é tudo para ele, é o que norteia sua vida, é
sua “muleta”. Agora, você testará da mesma maneira, o nosso
companheiro que vem aí, do nível 2.
Quando o homem se aproximou, o consulente pediu que
parasse e lhe deu um tapa. O homem ficou assustado, olhou para o
consulente, mediu-o de cima a baixo e, sem dizer nada, revidou com um
tapa, um pouco mais forte.
Instantaneamente, já estavam em outro lugar muito
semelhante ao primeiro.
- Agora, você já sabe como reage um homem do nível 2. Pensa um pouco,
analisa superficialmente a situação, verifica se está à altura do
adversário e aí, então, revida. Se se julgar mais fraco, não revidará
imediatamente, pois irá revidar à traição. Ainda é carregado pelo
mesmo tipo de “muleta” usada pelo homem do nível 1. Só que analisa um
pouco mais as coisas e fatos da vida. Entendeu? Repita o mesmo com
esse aí que vem chegando.
A cena repetiu-se. Ao receber o tapa, o homem parou,
olhou para o consulente e assim falou:
- O que é isso, moço?… Mereço uma explicação, não acha? Se não me
explicar direitinho por que razão me bateu, vai levar uma surra!
Estou falando sério!
- Eu e o Mestre estamos realizando uma série de experimentos e este
experimento consta exatamente em fazer o que fiz, ou seja, bater nas
pessoas para ver como reagem.
- E querem ver como reajo?
- Sim. Exatamente isso…
- Já reparou que não tem sentido?
- Como não? Já aprendemos ótimas lições com as reações das outras
pessoas. Queremos saber qual a lição que você irá nos ensinar…
- Ainda não perceberam que isso não faz sentido? Por que agredir as
pessoas assim, gratuitamente?
- Queremos verificar – interferiu o Mestre – as reações mais
imediatas e primitivas das pessoas. Você tem alguma sugestão ou
consegue atinar com alguma alternativa?
- De momento, não me ocorre nenhuma. De uma coisa, porém, estou
certo: – Esse teste é muito bárbaro, pois agride os outros. Estou,
realmente, muito assustado e chocado com essa ação de vocês, que
parecem pessoas inteligentes e sensatas. Certamente, deverá haver
algo menos agressivo e mais inteligente. Não acham?
- Enfim – perguntou o buscador – como você vai reagir? Vai revidar?
Ou vai nos ensinar uma outra maneira de conseguir aprender o que
desejamos?
- Já nem sei se continuo discutindo com vocês, pois acho que estou
perdendo meu tempo. São dois malucos e tenho coisas mais importantes
para fazer do que ficar conversando com dois malucos. Afinal, meu
tempo é precioso demais e não vou desperdiçá-lo com vocês. Quando
encontrarem alguém que não seja tão sensato e paciente como eu, vão
aprender o que é agredir gratuitamente as pessoas. Que outro, em
algum outro lugar, revide por mim. Não vou nem perder meu tempo com
vocês, pois não merecem meu esforço… São uns perfeitos idiotas…
Imagine só, dar tapas nos outros… Besteira… Idiotice… Falta do
que fazer… E ainda querem me convencer de que estão buscando
conhecimento… Picaretas! Isso é o que vocês são! Uns picaretas! Uns
charlatães!
Imediatamente, aquela cena apagou-se e já se encontravam
em outro luar, muito semelhante a todos os outros. Então, o Mestre
comentou:
- Agora, você já sabe como age o homem do nível 3. Gosta de analisar
a situação, discutir os pormenores, criticar tudo, mas não apresenta
nenhuma solução ou alternativa, pois ainda usa as mesmas “muletas”
que os outros dois anteriores também usavam. Prefere deixar tudo “pra
lá”, pois “não tem tempo” para se aborrecer com a ação, que prefere
deixar para os “outros”. É um erudito e teórico que fala muito, mas
que age muito pouco e não apresenta nenhuma solução para nenhum
problema, a não ser a mais óbvia e assim mesmo, olhe lá… É um
medíocre enfatuado, cheio de erudição, que se julga o “Dono da
Verdade”, que se acha muito “entendido” e que reclama de tudo e só
sabe criticar. É o mais perigoso de todos, pois costuma deter cargos
de comando, por ser, geralmente, portador de algum diploma
universitário em nível de bacharel (mais uma outra “muleta”) e se
pavoneia por isso. Possui instrução e muita erudição. Já consegue ter
um pouquinho mais de percepção das coisas, mas é somente isso. Ainda
precisa das “muletas” para continuar vivendo, mas começa a perceber
que talvez seja melhor andar sem elas. No entanto, por “preguiça
vital” e simples falta de força de vontade, prefere continuar a
utilizá-las. De resto, não passa de um medíocre enfatuado que sabe
apenas argumentar e tudo criticar. Vamos, agora, saber como reage um
homem do nível 4. Faça o mesmo com esse que aí vem.
E a cena repetiu-se.
O caminhante olhou para o buscador e perguntou:
- Por que você fez isso? Eu fiz alguma coisa errada? Ofendi você de
alguma maneira? Enfim, gostaria de saber por que motivo você me
bateu. Posso saber?
- Não é nada pessoal. Eu e o Mestre estamos realizando um experimento
para aprender qual será a reação das pessoas diante de uma agressão
imotivada.
- Pelo visto, já realizaram este experimento com outras pessoas. Já
devem ter aprendido muito a respeito de como reagem os seres humanos,
não é mesmo?
- É… Estamos aprendendo um bocado. Qual será sua reação? O que
pensa de nosso experimento? Tem alguma sugestão melhor?
- Hoje, vocês me ensinaram uma nova lição e estou muito satisfeito
com isso e só tenho a agradecer por me haverem escolhido para
participar deste seu experimento. Apenas acho que vocês estão
correndo o risco de encontrar alguém que não consiga entender o que
estão fazendo e revidar à agressão. Até chego a arriscar-me a afirmar
que vocês já encontraram esse tipo de pessoa, não é mesmo? Mas também
se não corrermos algum risco na vida, nada, jamais, poderá ser
conseguido, em termos de evolução. Sob esse ponto de vista, a
metodologia experimental que vocês imaginaram é tão boa como outra
qualquer. Já encontraram alguém que não entendesse o que estão a
fazer e igualmente reações hostis, não é mesmo? Por outro lado, como
se trata de um aprendizado, gostaria muito de acompanhá-los para
partilhar desse aprendizado. Aceitar-me-iam como companheiro de
jornada? Gostaria muito de adquirir novos conhecimentos. Posso ir com
vocês?
- E se tudo o que dissemos for mentira? E se estivermos mal-
intencionados? – perguntou o Mestre – Como reagiria a isso?
- Somente os loucos fazem coisas sem uma razão plausível. Sei, muito
bem, distinguir um louco de um são e, definitivamente, tenho a mais
cristalina das certezas de que vocês não são loucos. Logo, alguma
razão vocês deverão ter para estarem agredindo gratuitamente as
pessoas. Essa razão que me deram é tão boa e plausível como qualquer
outra. Seja ela qual for, gostaria de seguir com vocês para ver se
minhas conjecturas estão certas, ou seja, de que falaram a verdade e,
se assim o for, compartilhar da experiência de vocês. Enfim, desejo
aprender cada vez mais, e esta é uma boa ocasião para isso. Não
acham?
Instantaneamente, tudo se desfez e logo estavam em outro
ambiente, muito semelhante aos anteriores. O Mestre assim comentou:
- O homem do nível 4 já está bem distanciado e se desligando
gradativamente dos afazeres mundanos. Já sabe que existem outros
níveis mais baixos e outros mais elevados e está buscando apenas
aprender mais e mais para evoluir, para tornar-se um sábio. Não é, em
absoluto um erudito (embora até mesmo possa possuir algum diploma
universitário) e já compreende bem a natureza humana para fazer
julgamentos sensatos e lógicos. Por outro lado, possui uma
curiosidade muito grande e uma insaciável sede de conhecimentos. E
isso acontece porque abandonou suas “muletas” há muito pouco tempo,
talvez há um mês ou dois. Ainda sente falta delas, mas já compreendeu
que o melhor mesmo é viver sem elas. Dentro de muito pouco tempo, só
mais um pouco de tempo, talvez mais um ano ou dois, assim que se
acostumar, de fato, a sequer pensar nas muletas, estará realmente
começando a trilhar o caminho certo para os próximos níveis. Mas
vamos continuar com o nosso aprendizado. Repita o mesmo com este
homem que aí vem, e vamos ver como reage um homem do nível 5.
O tapa estalou.
- Filho meu… Eu bem o mereci por não haver logo percebido que
estavas necessitando de ajuda. Em que te posso ser útil?
- Não entendi… Afinal, dei-lhe um tapa. Não vai reagir?
- Na verdade, cada agressão é um pedido de ajuda. Em que te posso
ajudar, filho meu?
- Estamos dando tapas nas pessoas que passam, para conhecermos suas
reações. Não é nada pessoal…
- Então, é nisso que te posso ajudar? Ajudar-te-ei com muita
satisfação pedindo-te perdão por não haver logo percebido que desejas
aprender. É meritória tua ação, pois o saber é a coisa mais
importante que um ser humano pode adquirir. Somente por meio do saber
é que o homem se eleva. E se estás querendo aprender, só tenho
elogios a te oferecer. Logo aprenderás a lição mais importante que é
a de ajudar desinteressadamente as pessoas, assim como estou a fazer
com vocês, neste momento. Ainda terás um longo caminho pela frente,
mas se desejares, posso ser o teu guia nos passos iniciais e te
poupar de muitos transtornos e dissabores. Sinto-me perfeitamente
capaz de guiar-te nos primeiros passos e fazer-te chegar até onde me
encontro. Daí para diante, faremos o restante do aprendizado juntos.
O que achas da proposta? Aceitas-me como teu guia?
Instantaneamente, a cena se desfez e logo se viram em
outro caminho, um pouco mais agradável do que os demais, e o Mestre
assim se expressou:
- Quando um homem atinge o nível 5, começa a entender que a
Humanidade, em geral, digamos, o homem comum, é como uma espécie de
adolescente que ainda não conseguiu sequer se encontrar e, por esse
motivo, como todo e qualquer bom adolescente, é muito inseguro e,
devido a essa insegurança, não sabe como pedir ajuda e agride a todos
para chamar atenção sobre si mesmo e pedir, então, de maneira velada
e indireta, a ajuda de que necessita. O homem do nível 5 possui a
sincera vontade de ajudar e de auxiliar a todos desinteressadamente,
sem visar vantagens pessoais. É como se fosse uma Irmã Dulce ou uma
Madre Teresa de Calcutá, da vida. Sabe ser humilde e reconhece que
ainda tem muito a aprender para atingir níveis evolutivos mais
elevados. E deseja partilhar gratuitamente seus conhecimentos com
todos os seres humanos. Compreende que a imensa maioria dos seres
humanos usa “muletas” diversas e procura ajudá-los, dando-lhes
exatamente aquilo que lhe é pedido, de acordo com a “muleta” que
estão usando ou com o que lhes é mais acessível no nível em que se
encontram. A partir do nível 5, o ser humano adquire a faculdade de
perceber em qual nível o seu interlocutor se encontra. Agora, dê um
tapa nesse homem que aí vem. Vamos ver como reage o homem do nível 6.
E o buscador iniciou o ritual. Pediu ao homem que parasse
e lançou a mão ao seu rosto. Jamais entenderá como o outro, com um
movimento quase instantâneo, desviou-se e a sua mão atingiu apenas o
vazio.
- Meu filho querido! Por que você queria ferir-se a si mesmo? Ainda
não aprendeu que agredindo os outros você estará agredindo a si
mesmo? Você ainda não conseguiu entender que a Humanidade é um
organismo único e que cada um de nós é apenas uma pequena célula
desse imenso organismo? Seria você capaz de provocar,
deliberadamente, em seu corpo, um ferimento que vai doer muito e cuja
cicatrização orgânica e psíquica vai demorar e causará muito
sofrimento inútil?
- Mas estamos realizando um experimento para descobrir qual será a
reação das pessoas a uma agressão gratuita.
- Por que você não aprende primeiro a amar? Por que, em vez de dar um
tapa, não dá um beijo nas pessoas? Assim, em lugar de causar-lhes
sofrimento, estará demonstrando Amor. E o Amor é a Energia mais
poderosa e sublime do Universo. Se você aprender a lição do Amor,
logo poderá ensinar Amor para todas as outras células da Humanidade,
e tenho a mais concreta certeza de que, em muito pouco tempo, toda a
Humanidade será um imenso organismo amoroso que distribuirá Amor por
todo o planeta e daí, por extensão, emitirá vibrações de Amor para
todo o Universo. Eu amo a todos como amo a mim mesmo. No instante em
que você compreender isso, passará a amar a si mesmo e a todos os
demais seres humanos da mesma maneira e terá aprendido a Regra de
Ouro do Universo: – Tudo é Amor! A vida é Amor! Nós somos centelhas
de Amor! E por tanto amar você, jamais poderia permitir que você se
ferisse, agredindo a mim. Se você ama uma criança, jamais permitirá
que ela se machuque ou se fira, porque ela ainda não entende que se
agir de determinada maneira perigosa irá ferir-se e irá sofrer. Você
a amparará, não é mesmo? Você deverá aprender, em primeiro lugar, a
Lição do Amor, a viver o Amor em toda sua plenitude, pois o Amor é
tudo e, se você está vivo, deve sua vida a um Ato de Amor. Pense
nisso, medite muito sobre isso. Dê Amor gratuitamente. Ensine Amor
com muito Amor e logo verá como tudo a seu redor vai ficar mais
sublime, mais diáfano, pois você estará flutuando sob os influxos da
Energia mais poderosa do Universo, que é o Amor. E sua vida será
sublime…
Instantaneamente, tudo se desfez e se viram em outro
ambiente, ainda mais lindo e repousante do que este último em que
estiveram. Então o Mestre falou:
- Este é um dos níveis mais elevados a que pode chegar o Ser Humano
em sua senda evolutiva, ainda na Matéria, no Planeta Terra. Um homem
que conseguiu entender o que é o Amor, já é um Homem Sublime,
Inefável e quase Inatingível pelas infelicidades humanas, pois já
descobriu o Começo da Verdade, mas ainda não a conhece em toda sua
Plenitude, o que só acontecerá quando atingir o nível 7. Logo você
descobrirá isso. Dê um tapa nesse homem que aí vem chegando.
E o buscador pediu ao homem que parasse. Quando seus
olhares se cruzaram, uma espécie de choque elétrico percorreu-lhe
todo o corpo e uma sensação mesclada de amor, compaixão, amizade
desinteressada, compreensão, de profundo conhecimento de tudo que se
relaciona à vida e um enorme sentimento de extrema segurança encheram-
lhe todo o seu ser.
- Bata nele! – ordenou o Mestre.
- Não posso, Mestre, não posso…
- Bata nele! Faça um grande esforço, mas terá que bater nele! Nosso
aprendizado só estará completo se você bater nele! Faça um grande
esforço e bata! Vamos! Agora!
- Não, Mestre. Sua simples presença já é suficiente para que eu
consiga compreender a futilidade de lhe dar um tapa. Prefiro dar um
tapa em mim mesmo. Nele, porém, jamais!
- Bate-me – disse o Homem com muita firmeza e suavidade – pois só
assim aprenderás tua lição e saberás finalmente, porque ainda existem
guerras na Humanidade.
- Não posso… Não posso… Não tem o menor sentido fazer isso…
- Então – tornou o Homem – já aprendeste tua lição. Quem, dentre
todos em quem bateste, a ensinou para ti? Reflete um pouco e me
responde.
- Acho que foram os três primeiros, do nível 1 ao nível 3. Os outros
apenas a ilustraram e a complementaram. Agora, compreendo o quão
atrasados eles estão e o quanto ainda terão que caminhar na senda
evolutiva para entender esse fato. Sinto por eles uma compaixão
muito profunda. Estão de “muletas” e não sabem disso. E o pior de
tudo é que não conseguem perceber que é até muito simples e muito
fácil abandoná-las e que, no preciso instante em que a s abandonarem,
começarão a progredir. Era essa a lição que eu deveria aprender?
- Sim, filho meu. Essa é apenas uma das muitas facetas do Verdadeiro
Aprendizado. Ainda terás muito que aprender, mas já aprendeste a
primeira e a maior de todas as lições. Existe a Ignorância! – volveu
o Homem com suavidade e convicção – Mas ainda existem outras coisas
mais que deves ter aprendido. O que foi?
- Aprendi, também, que é meu dever ensiná-los para que entendam que a
vida está muito além daquilo que eles julgam ser muito importante -
as suas “muletas” – e também sua busca inútil e desenfreada por
sexo, status social, riquezas e poder. Nos outros níveis, comecei a
entender que para se ensinar alguma coisa para alguém é preciso que
tenhamos aprendido aquilo que vamos ensinar. Mas isso é um processo
demorado demais, pois todo mundo quer tudo às pressas,
imediatamente…
- A Humanidade ainda é uma criança , mal acabou de nascer, mal acabou
de aprender que pode caminhar por conta própria, sem engatinhar, sem
precisar usar “muletas”. O grande erro é que nós queremos fazer tudo
às pressas e medir tudo pela duração de nossas vidas individuais. O
importante é que compreendamos que o tempo deve ser contado em termos
cósmicos, universais. Se assim o fizermos, começaremos, então, a
entender que o Universo é um organismo imenso, ainda relativamente
novo e que também está fazendo seu aprendizado por intermédio de nós -
seres vivos conscientes e inteligentes que habitamos planetas
disseminados por todo o Espaço Cósmico. Nossa vida individual só terá
importância, mesmo, se conseguirmos entender e vivenciar, este
conhecimento, esta grande Verdade: – Somos todos uma imensa equipe
energética atuando nos mais diversos níveis energéticos daquilo que é
conhecido como Vida e Universo, que, no final das contas, é tudo a
mesma coisa.
- Mas sendo assim, para eu aprender tudo de que necessito para poder
ensinar aos meus irmãos, precisarei de muito mais que uma vida. Ser-
me-ão concedidas mais outras vidas, além desta que agora estou
vivendo?
- Mas ainda não conseguiste vislumbrar que só existe uma única Vida e
tu já a estás vivendo há milhões e milhões de anos e ainda a viverás
por mais outros tantos milhões, nos mais diversos níveis? Tu já foste
energia pura, átomo, molécula, vírus, bactéria, enfim, todos os seres
que já apareceram na escala biológica. E tu ainda és tudo isso.
Compreende, filho meu, nada se cria, nada se perde, tudo se
transforma.
- Mas mesmo assim, então, não terei tempo, neste momento atual de
minha manifestação no Universo, de aprender tudo o que é necessário
ensinar aos meus irmãos que ainda se encontram nos níveis 1, 2 e 3.
- E quem o terá jamais, algum dia? Mas isso não tem a menor
importância, pois tu já estás a ensinar o que aprendeste, nesta breve
jornada mental. Já aprendeste que existem 7 níveis evolutivos
possíveis aos seres humanos, aqui, agora, neste Planeta Terra. O
Autor deste conto conseguiu transmiti-lo, há alguns milênios, através
da Tradição Oral, durante muitas e muitas gerações. O Autor deste
trabalho, ao ler esse conto, há muitos anos atrás, também aprendeu a
mesma lição e agora a está transmitindo para todos aqueles que vierem
a lê-lo e, no final, alguns desses leitores, um dia, ensinarão essa
mesma lição a outros irmãos humanos. Compreendes, agora, que não será
necessário mais do que uma única vida como um ser humano, neste
Planeta Terra, para que aprendas tudo e que possas transmitir esse
conhecimento a todos os seres humanos, nos próximos milênios
vindouros? É só uma questão de tempo, não concordas, filho meu?
Agora, se quem deste aprendizado tomar conhecimento e, assim mesmo,
não desejar progredir, não quiser deixar de lado as “muletas” que
está usando ou não quiser aceitar essa verdade tão cristalina, o
problema e a responsabilidade já não serão mais teus. Tu e todos os
demais que estão transmitindo esse conhecimento já cumpriram as suas
partes. Que os outros, os que dele estão tomando conhecimento,
cumpram as suas. Para isso são livres e possuem o discernimento e o
livre-arbítrio suficientes para fazer suas escolhas e nada tens com
isso. Entendeste, filho meu?
* http://arautodofuturo.wordpress.com/trilhas-de-guerreiros/os-niveis-do-ser-humano/
Há alguns anos, um buscador aproximou-se de um Mestre da
Arte Real (um verdadeiro Místico) e perguntou-lhe:
- Mestre, gostaria muito de saber por que razão os seres humanos
guerreiam-se e por que não conseguem entender-se, por mais que
apregoem estar buscando a Paz e o entendimento, por mais que apregoem
o Amor e por mais que afirmem abominar o Ódio.
- Essa é uma pergunta muito séria. Gerações e gerações a têm feito e
não conseguiram uma resposta satisfatória, por não se darem conta de
que tudo é uma questão de nível evolutivo. A grande maioria da
Humanidade do Planeta Terra está vivendo atualmente no nível 1.
Muitos outros, no nível 2 e alguns outros no nível 3. Essa é a grande
maioria. Alguns poucos já conseguiram atingir o nível 4, pouquíssimos
o nível 5, raríssimos o nível 6 e somente de mil em mil anos aparece
algum que atingiu o nível 7.
- Mas, Mestre, que níveis são esses?
- Não adiantaria nada explicá-los, pois além de não entender, também,
logo em seguida, você os esqueceria e esqueceria também a explicação.
Assim, prefiro levá-lo numa viagem mental, para realizar uma série de
experimentos e aí, então, tenho certeza, você vivenciará e saberá
exatamente o que são esses níveis, cada um deles, nos seus mínimos
detalhes.
Colocou, então, as pontas de dois dedos na testa do
consulente e, imediatamente, ambos estavam em um outro local, em
outra dimensão do Espaço e do Tempo.
O local era uma espécie de bosque, e um homem se
aproximava deles. Ao chegar mais perto, disse-lhe o Mestre:
- Dê-lhe um tapa no rosto.
- Mas por quê? Ele não me fez nada…
- Faz parte do experimento. Dê-lhe um tapa, não muito forte, mas dê-
lhe um tapa!
E o homem aproximou-se mais do Mestre e do consulente.
Este, então, chegou até o homem, pediu-lhe que parasse e, sem nenhum
aviso, deu-lhe um tapa que estalou.
Imediatamente, como se fosse feito de mola, o
desconhecido revidou com uma saraivada de socos e o consulente foi ao
chão, por causa do inesperado do ataque.
Instantaneamente, como num passe de mágica, o Mestre e o
consulente já estavam em outro lugar, muito semelhante ao primeiro e
outro homem se aproximava. O Mestre, então comentou:
- Agora, você já sabe como reage um homem do nível 1. Não pensa. Age
mecanicamente. Revida sem pensar. Aprendeu a agir dessa maneira e
esse aprendizado é tudo para ele, é o que norteia sua vida, é
sua “muleta”. Agora, você testará da mesma maneira, o nosso
companheiro que vem aí, do nível 2.
Quando o homem se aproximou, o consulente pediu que
parasse e lhe deu um tapa. O homem ficou assustado, olhou para o
consulente, mediu-o de cima a baixo e, sem dizer nada, revidou com um
tapa, um pouco mais forte.
Instantaneamente, já estavam em outro lugar muito
semelhante ao primeiro.
- Agora, você já sabe como reage um homem do nível 2. Pensa um pouco,
analisa superficialmente a situação, verifica se está à altura do
adversário e aí, então, revida. Se se julgar mais fraco, não revidará
imediatamente, pois irá revidar à traição. Ainda é carregado pelo
mesmo tipo de “muleta” usada pelo homem do nível 1. Só que analisa um
pouco mais as coisas e fatos da vida. Entendeu? Repita o mesmo com
esse aí que vem chegando.
A cena repetiu-se. Ao receber o tapa, o homem parou,
olhou para o consulente e assim falou:
- O que é isso, moço?… Mereço uma explicação, não acha? Se não me
explicar direitinho por que razão me bateu, vai levar uma surra!
Estou falando sério!
- Eu e o Mestre estamos realizando uma série de experimentos e este
experimento consta exatamente em fazer o que fiz, ou seja, bater nas
pessoas para ver como reagem.
- E querem ver como reajo?
- Sim. Exatamente isso…
- Já reparou que não tem sentido?
- Como não? Já aprendemos ótimas lições com as reações das outras
pessoas. Queremos saber qual a lição que você irá nos ensinar…
- Ainda não perceberam que isso não faz sentido? Por que agredir as
pessoas assim, gratuitamente?
- Queremos verificar – interferiu o Mestre – as reações mais
imediatas e primitivas das pessoas. Você tem alguma sugestão ou
consegue atinar com alguma alternativa?
- De momento, não me ocorre nenhuma. De uma coisa, porém, estou
certo: – Esse teste é muito bárbaro, pois agride os outros. Estou,
realmente, muito assustado e chocado com essa ação de vocês, que
parecem pessoas inteligentes e sensatas. Certamente, deverá haver
algo menos agressivo e mais inteligente. Não acham?
- Enfim – perguntou o buscador – como você vai reagir? Vai revidar?
Ou vai nos ensinar uma outra maneira de conseguir aprender o que
desejamos?
- Já nem sei se continuo discutindo com vocês, pois acho que estou
perdendo meu tempo. São dois malucos e tenho coisas mais importantes
para fazer do que ficar conversando com dois malucos. Afinal, meu
tempo é precioso demais e não vou desperdiçá-lo com vocês. Quando
encontrarem alguém que não seja tão sensato e paciente como eu, vão
aprender o que é agredir gratuitamente as pessoas. Que outro, em
algum outro lugar, revide por mim. Não vou nem perder meu tempo com
vocês, pois não merecem meu esforço… São uns perfeitos idiotas…
Imagine só, dar tapas nos outros… Besteira… Idiotice… Falta do
que fazer… E ainda querem me convencer de que estão buscando
conhecimento… Picaretas! Isso é o que vocês são! Uns picaretas! Uns
charlatães!
Imediatamente, aquela cena apagou-se e já se encontravam
em outro luar, muito semelhante a todos os outros. Então, o Mestre
comentou:
- Agora, você já sabe como age o homem do nível 3. Gosta de analisar
a situação, discutir os pormenores, criticar tudo, mas não apresenta
nenhuma solução ou alternativa, pois ainda usa as mesmas “muletas”
que os outros dois anteriores também usavam. Prefere deixar tudo “pra
lá”, pois “não tem tempo” para se aborrecer com a ação, que prefere
deixar para os “outros”. É um erudito e teórico que fala muito, mas
que age muito pouco e não apresenta nenhuma solução para nenhum
problema, a não ser a mais óbvia e assim mesmo, olhe lá… É um
medíocre enfatuado, cheio de erudição, que se julga o “Dono da
Verdade”, que se acha muito “entendido” e que reclama de tudo e só
sabe criticar. É o mais perigoso de todos, pois costuma deter cargos
de comando, por ser, geralmente, portador de algum diploma
universitário em nível de bacharel (mais uma outra “muleta”) e se
pavoneia por isso. Possui instrução e muita erudição. Já consegue ter
um pouquinho mais de percepção das coisas, mas é somente isso. Ainda
precisa das “muletas” para continuar vivendo, mas começa a perceber
que talvez seja melhor andar sem elas. No entanto, por “preguiça
vital” e simples falta de força de vontade, prefere continuar a
utilizá-las. De resto, não passa de um medíocre enfatuado que sabe
apenas argumentar e tudo criticar. Vamos, agora, saber como reage um
homem do nível 4. Faça o mesmo com esse que aí vem.
E a cena repetiu-se.
O caminhante olhou para o buscador e perguntou:
- Por que você fez isso? Eu fiz alguma coisa errada? Ofendi você de
alguma maneira? Enfim, gostaria de saber por que motivo você me
bateu. Posso saber?
- Não é nada pessoal. Eu e o Mestre estamos realizando um experimento
para aprender qual será a reação das pessoas diante de uma agressão
imotivada.
- Pelo visto, já realizaram este experimento com outras pessoas. Já
devem ter aprendido muito a respeito de como reagem os seres humanos,
não é mesmo?
- É… Estamos aprendendo um bocado. Qual será sua reação? O que
pensa de nosso experimento? Tem alguma sugestão melhor?
- Hoje, vocês me ensinaram uma nova lição e estou muito satisfeito
com isso e só tenho a agradecer por me haverem escolhido para
participar deste seu experimento. Apenas acho que vocês estão
correndo o risco de encontrar alguém que não consiga entender o que
estão fazendo e revidar à agressão. Até chego a arriscar-me a afirmar
que vocês já encontraram esse tipo de pessoa, não é mesmo? Mas também
se não corrermos algum risco na vida, nada, jamais, poderá ser
conseguido, em termos de evolução. Sob esse ponto de vista, a
metodologia experimental que vocês imaginaram é tão boa como outra
qualquer. Já encontraram alguém que não entendesse o que estão a
fazer e igualmente reações hostis, não é mesmo? Por outro lado, como
se trata de um aprendizado, gostaria muito de acompanhá-los para
partilhar desse aprendizado. Aceitar-me-iam como companheiro de
jornada? Gostaria muito de adquirir novos conhecimentos. Posso ir com
vocês?
- E se tudo o que dissemos for mentira? E se estivermos mal-
intencionados? – perguntou o Mestre – Como reagiria a isso?
- Somente os loucos fazem coisas sem uma razão plausível. Sei, muito
bem, distinguir um louco de um são e, definitivamente, tenho a mais
cristalina das certezas de que vocês não são loucos. Logo, alguma
razão vocês deverão ter para estarem agredindo gratuitamente as
pessoas. Essa razão que me deram é tão boa e plausível como qualquer
outra. Seja ela qual for, gostaria de seguir com vocês para ver se
minhas conjecturas estão certas, ou seja, de que falaram a verdade e,
se assim o for, compartilhar da experiência de vocês. Enfim, desejo
aprender cada vez mais, e esta é uma boa ocasião para isso. Não
acham?
Instantaneamente, tudo se desfez e logo estavam em outro
ambiente, muito semelhante aos anteriores. O Mestre assim comentou:
- O homem do nível 4 já está bem distanciado e se desligando
gradativamente dos afazeres mundanos. Já sabe que existem outros
níveis mais baixos e outros mais elevados e está buscando apenas
aprender mais e mais para evoluir, para tornar-se um sábio. Não é, em
absoluto um erudito (embora até mesmo possa possuir algum diploma
universitário) e já compreende bem a natureza humana para fazer
julgamentos sensatos e lógicos. Por outro lado, possui uma
curiosidade muito grande e uma insaciável sede de conhecimentos. E
isso acontece porque abandonou suas “muletas” há muito pouco tempo,
talvez há um mês ou dois. Ainda sente falta delas, mas já compreendeu
que o melhor mesmo é viver sem elas. Dentro de muito pouco tempo, só
mais um pouco de tempo, talvez mais um ano ou dois, assim que se
acostumar, de fato, a sequer pensar nas muletas, estará realmente
começando a trilhar o caminho certo para os próximos níveis. Mas
vamos continuar com o nosso aprendizado. Repita o mesmo com este
homem que aí vem, e vamos ver como reage um homem do nível 5.
O tapa estalou.
- Filho meu… Eu bem o mereci por não haver logo percebido que
estavas necessitando de ajuda. Em que te posso ser útil?
- Não entendi… Afinal, dei-lhe um tapa. Não vai reagir?
- Na verdade, cada agressão é um pedido de ajuda. Em que te posso
ajudar, filho meu?
- Estamos dando tapas nas pessoas que passam, para conhecermos suas
reações. Não é nada pessoal…
- Então, é nisso que te posso ajudar? Ajudar-te-ei com muita
satisfação pedindo-te perdão por não haver logo percebido que desejas
aprender. É meritória tua ação, pois o saber é a coisa mais
importante que um ser humano pode adquirir. Somente por meio do saber
é que o homem se eleva. E se estás querendo aprender, só tenho
elogios a te oferecer. Logo aprenderás a lição mais importante que é
a de ajudar desinteressadamente as pessoas, assim como estou a fazer
com vocês, neste momento. Ainda terás um longo caminho pela frente,
mas se desejares, posso ser o teu guia nos passos iniciais e te
poupar de muitos transtornos e dissabores. Sinto-me perfeitamente
capaz de guiar-te nos primeiros passos e fazer-te chegar até onde me
encontro. Daí para diante, faremos o restante do aprendizado juntos.
O que achas da proposta? Aceitas-me como teu guia?
Instantaneamente, a cena se desfez e logo se viram em
outro caminho, um pouco mais agradável do que os demais, e o Mestre
assim se expressou:
- Quando um homem atinge o nível 5, começa a entender que a
Humanidade, em geral, digamos, o homem comum, é como uma espécie de
adolescente que ainda não conseguiu sequer se encontrar e, por esse
motivo, como todo e qualquer bom adolescente, é muito inseguro e,
devido a essa insegurança, não sabe como pedir ajuda e agride a todos
para chamar atenção sobre si mesmo e pedir, então, de maneira velada
e indireta, a ajuda de que necessita. O homem do nível 5 possui a
sincera vontade de ajudar e de auxiliar a todos desinteressadamente,
sem visar vantagens pessoais. É como se fosse uma Irmã Dulce ou uma
Madre Teresa de Calcutá, da vida. Sabe ser humilde e reconhece que
ainda tem muito a aprender para atingir níveis evolutivos mais
elevados. E deseja partilhar gratuitamente seus conhecimentos com
todos os seres humanos. Compreende que a imensa maioria dos seres
humanos usa “muletas” diversas e procura ajudá-los, dando-lhes
exatamente aquilo que lhe é pedido, de acordo com a “muleta” que
estão usando ou com o que lhes é mais acessível no nível em que se
encontram. A partir do nível 5, o ser humano adquire a faculdade de
perceber em qual nível o seu interlocutor se encontra. Agora, dê um
tapa nesse homem que aí vem. Vamos ver como reage o homem do nível 6.
E o buscador iniciou o ritual. Pediu ao homem que parasse
e lançou a mão ao seu rosto. Jamais entenderá como o outro, com um
movimento quase instantâneo, desviou-se e a sua mão atingiu apenas o
vazio.
- Meu filho querido! Por que você queria ferir-se a si mesmo? Ainda
não aprendeu que agredindo os outros você estará agredindo a si
mesmo? Você ainda não conseguiu entender que a Humanidade é um
organismo único e que cada um de nós é apenas uma pequena célula
desse imenso organismo? Seria você capaz de provocar,
deliberadamente, em seu corpo, um ferimento que vai doer muito e cuja
cicatrização orgânica e psíquica vai demorar e causará muito
sofrimento inútil?
- Mas estamos realizando um experimento para descobrir qual será a
reação das pessoas a uma agressão gratuita.
- Por que você não aprende primeiro a amar? Por que, em vez de dar um
tapa, não dá um beijo nas pessoas? Assim, em lugar de causar-lhes
sofrimento, estará demonstrando Amor. E o Amor é a Energia mais
poderosa e sublime do Universo. Se você aprender a lição do Amor,
logo poderá ensinar Amor para todas as outras células da Humanidade,
e tenho a mais concreta certeza de que, em muito pouco tempo, toda a
Humanidade será um imenso organismo amoroso que distribuirá Amor por
todo o planeta e daí, por extensão, emitirá vibrações de Amor para
todo o Universo. Eu amo a todos como amo a mim mesmo. No instante em
que você compreender isso, passará a amar a si mesmo e a todos os
demais seres humanos da mesma maneira e terá aprendido a Regra de
Ouro do Universo: – Tudo é Amor! A vida é Amor! Nós somos centelhas
de Amor! E por tanto amar você, jamais poderia permitir que você se
ferisse, agredindo a mim. Se você ama uma criança, jamais permitirá
que ela se machuque ou se fira, porque ela ainda não entende que se
agir de determinada maneira perigosa irá ferir-se e irá sofrer. Você
a amparará, não é mesmo? Você deverá aprender, em primeiro lugar, a
Lição do Amor, a viver o Amor em toda sua plenitude, pois o Amor é
tudo e, se você está vivo, deve sua vida a um Ato de Amor. Pense
nisso, medite muito sobre isso. Dê Amor gratuitamente. Ensine Amor
com muito Amor e logo verá como tudo a seu redor vai ficar mais
sublime, mais diáfano, pois você estará flutuando sob os influxos da
Energia mais poderosa do Universo, que é o Amor. E sua vida será
sublime…
Instantaneamente, tudo se desfez e se viram em outro
ambiente, ainda mais lindo e repousante do que este último em que
estiveram. Então o Mestre falou:
- Este é um dos níveis mais elevados a que pode chegar o Ser Humano
em sua senda evolutiva, ainda na Matéria, no Planeta Terra. Um homem
que conseguiu entender o que é o Amor, já é um Homem Sublime,
Inefável e quase Inatingível pelas infelicidades humanas, pois já
descobriu o Começo da Verdade, mas ainda não a conhece em toda sua
Plenitude, o que só acontecerá quando atingir o nível 7. Logo você
descobrirá isso. Dê um tapa nesse homem que aí vem chegando.
E o buscador pediu ao homem que parasse. Quando seus
olhares se cruzaram, uma espécie de choque elétrico percorreu-lhe
todo o corpo e uma sensação mesclada de amor, compaixão, amizade
desinteressada, compreensão, de profundo conhecimento de tudo que se
relaciona à vida e um enorme sentimento de extrema segurança encheram-
lhe todo o seu ser.
- Bata nele! – ordenou o Mestre.
- Não posso, Mestre, não posso…
- Bata nele! Faça um grande esforço, mas terá que bater nele! Nosso
aprendizado só estará completo se você bater nele! Faça um grande
esforço e bata! Vamos! Agora!
- Não, Mestre. Sua simples presença já é suficiente para que eu
consiga compreender a futilidade de lhe dar um tapa. Prefiro dar um
tapa em mim mesmo. Nele, porém, jamais!
- Bate-me – disse o Homem com muita firmeza e suavidade – pois só
assim aprenderás tua lição e saberás finalmente, porque ainda existem
guerras na Humanidade.
- Não posso… Não posso… Não tem o menor sentido fazer isso…
- Então – tornou o Homem – já aprendeste tua lição. Quem, dentre
todos em quem bateste, a ensinou para ti? Reflete um pouco e me
responde.
- Acho que foram os três primeiros, do nível 1 ao nível 3. Os outros
apenas a ilustraram e a complementaram. Agora, compreendo o quão
atrasados eles estão e o quanto ainda terão que caminhar na senda
evolutiva para entender esse fato. Sinto por eles uma compaixão
muito profunda. Estão de “muletas” e não sabem disso. E o pior de
tudo é que não conseguem perceber que é até muito simples e muito
fácil abandoná-las e que, no preciso instante em que a s abandonarem,
começarão a progredir. Era essa a lição que eu deveria aprender?
- Sim, filho meu. Essa é apenas uma das muitas facetas do Verdadeiro
Aprendizado. Ainda terás muito que aprender, mas já aprendeste a
primeira e a maior de todas as lições. Existe a Ignorância! – volveu
o Homem com suavidade e convicção – Mas ainda existem outras coisas
mais que deves ter aprendido. O que foi?
- Aprendi, também, que é meu dever ensiná-los para que entendam que a
vida está muito além daquilo que eles julgam ser muito importante -
as suas “muletas” – e também sua busca inútil e desenfreada por
sexo, status social, riquezas e poder. Nos outros níveis, comecei a
entender que para se ensinar alguma coisa para alguém é preciso que
tenhamos aprendido aquilo que vamos ensinar. Mas isso é um processo
demorado demais, pois todo mundo quer tudo às pressas,
imediatamente…
- A Humanidade ainda é uma criança , mal acabou de nascer, mal acabou
de aprender que pode caminhar por conta própria, sem engatinhar, sem
precisar usar “muletas”. O grande erro é que nós queremos fazer tudo
às pressas e medir tudo pela duração de nossas vidas individuais. O
importante é que compreendamos que o tempo deve ser contado em termos
cósmicos, universais. Se assim o fizermos, começaremos, então, a
entender que o Universo é um organismo imenso, ainda relativamente
novo e que também está fazendo seu aprendizado por intermédio de nós -
seres vivos conscientes e inteligentes que habitamos planetas
disseminados por todo o Espaço Cósmico. Nossa vida individual só terá
importância, mesmo, se conseguirmos entender e vivenciar, este
conhecimento, esta grande Verdade: – Somos todos uma imensa equipe
energética atuando nos mais diversos níveis energéticos daquilo que é
conhecido como Vida e Universo, que, no final das contas, é tudo a
mesma coisa.
- Mas sendo assim, para eu aprender tudo de que necessito para poder
ensinar aos meus irmãos, precisarei de muito mais que uma vida. Ser-
me-ão concedidas mais outras vidas, além desta que agora estou
vivendo?
- Mas ainda não conseguiste vislumbrar que só existe uma única Vida e
tu já a estás vivendo há milhões e milhões de anos e ainda a viverás
por mais outros tantos milhões, nos mais diversos níveis? Tu já foste
energia pura, átomo, molécula, vírus, bactéria, enfim, todos os seres
que já apareceram na escala biológica. E tu ainda és tudo isso.
Compreende, filho meu, nada se cria, nada se perde, tudo se
transforma.
- Mas mesmo assim, então, não terei tempo, neste momento atual de
minha manifestação no Universo, de aprender tudo o que é necessário
ensinar aos meus irmãos que ainda se encontram nos níveis 1, 2 e 3.
- E quem o terá jamais, algum dia? Mas isso não tem a menor
importância, pois tu já estás a ensinar o que aprendeste, nesta breve
jornada mental. Já aprendeste que existem 7 níveis evolutivos
possíveis aos seres humanos, aqui, agora, neste Planeta Terra. O
Autor deste conto conseguiu transmiti-lo, há alguns milênios, através
da Tradição Oral, durante muitas e muitas gerações. O Autor deste
trabalho, ao ler esse conto, há muitos anos atrás, também aprendeu a
mesma lição e agora a está transmitindo para todos aqueles que vierem
a lê-lo e, no final, alguns desses leitores, um dia, ensinarão essa
mesma lição a outros irmãos humanos. Compreendes, agora, que não será
necessário mais do que uma única vida como um ser humano, neste
Planeta Terra, para que aprendas tudo e que possas transmitir esse
conhecimento a todos os seres humanos, nos próximos milênios
vindouros? É só uma questão de tempo, não concordas, filho meu?
Agora, se quem deste aprendizado tomar conhecimento e, assim mesmo,
não desejar progredir, não quiser deixar de lado as “muletas” que
está usando ou não quiser aceitar essa verdade tão cristalina, o
problema e a responsabilidade já não serão mais teus. Tu e todos os
demais que estão transmitindo esse conhecimento já cumpriram as suas
partes. Que os outros, os que dele estão tomando conhecimento,
cumpram as suas. Para isso são livres e possuem o discernimento e o
livre-arbítrio suficientes para fazer suas escolhas e nada tens com
isso. Entendeste, filho meu?
* http://arautodofuturo.wordpress.com/trilhas-de-guerreiros/os-niveis-do-ser-humano/
Sinapse do filme "Nostalghia"*
Andrei Tarkovski, Nostalghia, Itália/URSS, 1983
Nostalgia como o desejo do retorno – de um vazio incondicional, de uma essência que estaria ecoada enquanto ruptura com o presente. Religião, religar-se: um certo sentimento de abismo que parece tender sempre a um inalcançável. Nostalgia como a loucura, essa memória do novo, a "voz que não escutamos". Tarkovski traça um filme nos limites do humano, como anjos caídos a ouvir (ao longe) as palavras de um Deus nunca-presente, por entre pilastras frias e atravessadas pela presença de um Ser indefinível. O poeta russo carrega a memória de seu passado, o louco Domenico carrega o desejo de a um só tempo poder esquecer-se de tudo e relembrar-se do Todo. Nostalgia aparece como esse sentido inescapável de eternidade, de que há algo de sempre pequeno e de sempre inexprimível em cada gesto que ultrapassa as diferenças sociais, culturais, políticas, econômicas... humanas.
O mundo nos aparece como uma espécie de caverna, de masmorra cheia de belezas ímpares, mas úmida e enevoada como as piscinas de água quente. As vozes (e Tarkovski passeia com a câmera encontrando vazios e nucas), parecem vir de algum lugar-outro que não das bocas de seus personagens, de suas figuras, de seus vultos. O som pregnante de goteiras, de serras elétricas, de cantos ecoados pelos corredores do hotel/casa-de-banho onde se hospeda o professor: tudo remete ao cenário inicial do templo de Nossa Senhora do Parto, onde mulheres caminham em círculos, murmurando nas sombras. Os raccords falsos, a câmera que descobre paredes em travellings sem rumo, os personagens que surgem de baixo do quadro como que se erguendo do chão, as paredes enrugadas (e, nesse sentido, a cenografia do filme é primorosa).
Há uma fantasmagoria que percorre a narrativa, onde os corpos circulam, passeiam, em movimentos marcados, duros, como as representações inertes de figuras-imagens que estão não-mais-ali (como as estátuas de que fala Domenico). É o gesto da pesquisa, da arqueologia (a busca pelo passado) que vai desencadear, nesse labirinto, a possibilidade de alguma ruptura, de algum sentimento de recomeço intuído, mas nunca enxergado. É a partir do encontro do taciturno professor (em sua busca pelas memórias de um compositor russo obscuro) com o misterioso Domenico (funcionário da casa-de-banhos) que o filme se conjuga em direção a uma trágica e incontornável alegria. Incontornável como a promessa de atravessar a piscina levando nas mãos a pequena vela acesa...Como se todo o filme, todo o perambular da câmera parecesse nos levar, hipnotizar (em um mantra) em direção às duas seqüências finais: a da morte-suicídio de Domenico em meio à cidade de Roma (a imagem-clichê da cultura ocidental) e a do atravessar da piscina com a vela nas mãos. A articulação entre essas duas seqüências funciona como o desaguar de todos os minutos anteriores do filme.
Primeiro, o momento trágico em que Domenico põe fogo no próprio corpo (diante de uma multidão de estátuas, de mármore e de carne) e ouvimos a Ode à Alegria de Beethoven (numa trilha sonora diegética/não-diegética em que não vemos a fonte da música, embora percebamos que ela está sendo reproduzida "dentro do filme", por um aparelho precário), seguida do grito seco do homem que sente seu corpo tomado pelas chamas. Em seguida, segundo momento, vemos as mãos do professor tentando acender o pequeno pavio de um pedaço de vela. Diante de uma piscina de águas termais, agora vazia, tem início uma das cenas mais antológicas de toda a filmografia de Tarkovski: num único plano-seqüência, acompanhamos o professor levar (entre as palmas das mãos) a chama frágil da vela, indo de um lado ao outro da piscina. Apesar de todo cuidado e concentração do professor, a umidade do ambiente é muito grande e a vela insiste em se apagar. Mas o professor continua sua tentativa, reacendendo a vela, e repetindo o trajeto desde o início. A mesma força destrutiva do fogo agora aparece naquela pequena e frágil chama, tão suscetível a se apagar a qualquer momento, a qualquer movimento brusco. É a insistência, a resistência – um sentido primordial de promessa e da vontade – que fazem com que o professor perpetue sua tentativa... até conseguir.
Esse pequeno ritual, simples, aparece no filme como a imagem-limite, como o gesto de reencontro final do personagem com toda a densidade e o peso de suas lembranças (e daquilo que, em seu corpo, se torna inexprimível). A umidade do ambiente, a batalha entre o fogo e a água (que cria o vapor denso das piscinas termais e que o impede de enxergar mais adiante). Em off, o professor só consegue grunhir, como se tivesse se ultrapassado, enquanto vemos a vela já posta do outro lado da piscina. Final do percurso, do ritual, do calvário – restam as reticências de uma imagem preto-e-branco onde o professor finalmente se deita "por dentro" de seu passado, ao lado de um velho cão, e fita o céu distante agora refletido no chão, numa poça d`água. Tarkovski finda assim essa pequena obra-prima de cinema-posado e de poesia gráfica; apostando em imagens que são antes de tudo sintomas pulsantes, tensões da forma e dos sons, numa vivacidade que se não está localizada em cada um de seus personagens-estátuas, parece percorrer o filme como uma espécie de energia não-localizável, intuída, tão frágil, tão poderosa e tão passageira quanto a chama que queima (que tanto pode atravessar os corpos quanto desaparecer em um leve bufar de vento) e que alguns chamariam de "fé". Não uma "fé" resumida neste ou naquele estatuto, mas uma "fé" primordial, talvez, na própria sobrevida do cinema para além de tudo o que se possa alcançar, que se possa conter nas imagens. Nostalgia, mais do que um retorno ao passado, é esse desejo, sem-solo, de se tocar, de se contagiar (e contagiar o espectador) com um sentido indecifrável de eternidade. E esse é o grande êxito do filme, e de Tarkovski.
* Felipe Bragança in http://www.contracampo.com.br/61/nostalgia.htm
Andrei Tarkovski, Nostalghia, Itália/URSS, 1983
Nostalgia como o desejo do retorno – de um vazio incondicional, de uma essência que estaria ecoada enquanto ruptura com o presente. Religião, religar-se: um certo sentimento de abismo que parece tender sempre a um inalcançável. Nostalgia como a loucura, essa memória do novo, a "voz que não escutamos". Tarkovski traça um filme nos limites do humano, como anjos caídos a ouvir (ao longe) as palavras de um Deus nunca-presente, por entre pilastras frias e atravessadas pela presença de um Ser indefinível. O poeta russo carrega a memória de seu passado, o louco Domenico carrega o desejo de a um só tempo poder esquecer-se de tudo e relembrar-se do Todo. Nostalgia aparece como esse sentido inescapável de eternidade, de que há algo de sempre pequeno e de sempre inexprimível em cada gesto que ultrapassa as diferenças sociais, culturais, políticas, econômicas... humanas.
O mundo nos aparece como uma espécie de caverna, de masmorra cheia de belezas ímpares, mas úmida e enevoada como as piscinas de água quente. As vozes (e Tarkovski passeia com a câmera encontrando vazios e nucas), parecem vir de algum lugar-outro que não das bocas de seus personagens, de suas figuras, de seus vultos. O som pregnante de goteiras, de serras elétricas, de cantos ecoados pelos corredores do hotel/casa-de-banho onde se hospeda o professor: tudo remete ao cenário inicial do templo de Nossa Senhora do Parto, onde mulheres caminham em círculos, murmurando nas sombras. Os raccords falsos, a câmera que descobre paredes em travellings sem rumo, os personagens que surgem de baixo do quadro como que se erguendo do chão, as paredes enrugadas (e, nesse sentido, a cenografia do filme é primorosa).
Há uma fantasmagoria que percorre a narrativa, onde os corpos circulam, passeiam, em movimentos marcados, duros, como as representações inertes de figuras-imagens que estão não-mais-ali (como as estátuas de que fala Domenico). É o gesto da pesquisa, da arqueologia (a busca pelo passado) que vai desencadear, nesse labirinto, a possibilidade de alguma ruptura, de algum sentimento de recomeço intuído, mas nunca enxergado. É a partir do encontro do taciturno professor (em sua busca pelas memórias de um compositor russo obscuro) com o misterioso Domenico (funcionário da casa-de-banhos) que o filme se conjuga em direção a uma trágica e incontornável alegria. Incontornável como a promessa de atravessar a piscina levando nas mãos a pequena vela acesa...Como se todo o filme, todo o perambular da câmera parecesse nos levar, hipnotizar (em um mantra) em direção às duas seqüências finais: a da morte-suicídio de Domenico em meio à cidade de Roma (a imagem-clichê da cultura ocidental) e a do atravessar da piscina com a vela nas mãos. A articulação entre essas duas seqüências funciona como o desaguar de todos os minutos anteriores do filme.
Primeiro, o momento trágico em que Domenico põe fogo no próprio corpo (diante de uma multidão de estátuas, de mármore e de carne) e ouvimos a Ode à Alegria de Beethoven (numa trilha sonora diegética/não-diegética em que não vemos a fonte da música, embora percebamos que ela está sendo reproduzida "dentro do filme", por um aparelho precário), seguida do grito seco do homem que sente seu corpo tomado pelas chamas. Em seguida, segundo momento, vemos as mãos do professor tentando acender o pequeno pavio de um pedaço de vela. Diante de uma piscina de águas termais, agora vazia, tem início uma das cenas mais antológicas de toda a filmografia de Tarkovski: num único plano-seqüência, acompanhamos o professor levar (entre as palmas das mãos) a chama frágil da vela, indo de um lado ao outro da piscina. Apesar de todo cuidado e concentração do professor, a umidade do ambiente é muito grande e a vela insiste em se apagar. Mas o professor continua sua tentativa, reacendendo a vela, e repetindo o trajeto desde o início. A mesma força destrutiva do fogo agora aparece naquela pequena e frágil chama, tão suscetível a se apagar a qualquer momento, a qualquer movimento brusco. É a insistência, a resistência – um sentido primordial de promessa e da vontade – que fazem com que o professor perpetue sua tentativa... até conseguir.
Esse pequeno ritual, simples, aparece no filme como a imagem-limite, como o gesto de reencontro final do personagem com toda a densidade e o peso de suas lembranças (e daquilo que, em seu corpo, se torna inexprimível). A umidade do ambiente, a batalha entre o fogo e a água (que cria o vapor denso das piscinas termais e que o impede de enxergar mais adiante). Em off, o professor só consegue grunhir, como se tivesse se ultrapassado, enquanto vemos a vela já posta do outro lado da piscina. Final do percurso, do ritual, do calvário – restam as reticências de uma imagem preto-e-branco onde o professor finalmente se deita "por dentro" de seu passado, ao lado de um velho cão, e fita o céu distante agora refletido no chão, numa poça d`água. Tarkovski finda assim essa pequena obra-prima de cinema-posado e de poesia gráfica; apostando em imagens que são antes de tudo sintomas pulsantes, tensões da forma e dos sons, numa vivacidade que se não está localizada em cada um de seus personagens-estátuas, parece percorrer o filme como uma espécie de energia não-localizável, intuída, tão frágil, tão poderosa e tão passageira quanto a chama que queima (que tanto pode atravessar os corpos quanto desaparecer em um leve bufar de vento) e que alguns chamariam de "fé". Não uma "fé" resumida neste ou naquele estatuto, mas uma "fé" primordial, talvez, na própria sobrevida do cinema para além de tudo o que se possa alcançar, que se possa conter nas imagens. Nostalgia, mais do que um retorno ao passado, é esse desejo, sem-solo, de se tocar, de se contagiar (e contagiar o espectador) com um sentido indecifrável de eternidade. E esse é o grande êxito do filme, e de Tarkovski.
* Felipe Bragança in http://www.contracampo.com.br/61/nostalgia.htm
sábado, 2 de abril de 2011
O problema da transformação
Esta tarde, desejo falar sobre o problema da transformação. Já pensastes a seu respeito? Se já o fizestes, deveis ter notado quão difícil é operar uma mudança em nós mesmos. Percebemos em certos momentos a necessidade de transformação, de um certo ajustamento à vida, uma revolução radical em nós mesmos, independente de qualquer padrão de pensamento, ou compulsão. Quem observa as numerosas complicações da existência, sente o desejo imenso de efetuar uma revolução em si próprio. Já deveis — pelo menos os mais ponderados dentre vós — ter refletido a esse respeito, isto é, sobre como efetuar essa transformação, como irá ela influir em nossas relações mútuas ou com a sociedade, e se essa revolução terá algum efeito sobre a sociedade.
Este problema, bem examinado, é sumamente complexo e envolve muitas outras questões, que se agitam não apenas no nível superficial do nosso pensar, mas também profundamente, no nível inconsciente. Preliminarmente, porém, desejo recomendar-vos que, ao iniciar eu o estudo do problema, me escuteis com atenção e sem resistência; se assim fizerdes, então, talvez possais encontrar-vos naquele estado de total revolução interior. Afinal, é com este fim em vista que vos falo, e não para convencer-vos sobre uma determinada forma de modificação ou dizer-vos que deveis transformar-vos em conformidade com um certo padrão; nisso não há nenhuma possibilidade de transformação e, sim, meramente, ajustamento, adaptação a determinado padrão de ação — e isto não é revolução, não é transformação.
Se escutardes, sem resistência de espécie alguma, estou certo de que vos vereis num estado de revolução, dentro de vós mesmos, não operada por qualquer compulsão de minha parte, mas de maneira completamente natural. Permiti-me, pois, sugerir que me escuteis sem resistência. Em geral, nós não escutamos verdadeiramente, pois costumamos escutar com uma intenção, um “motivo”, um propósito, o que denota esforço. Pelo esforço, não se pode compreender coisa alguma.
Vêde bem a importância disso. Para se compreender uma coisa, é necessário escutá-la sem esforço, sem compulsão, sem resistência, inclinação, opinião ou juízo. Isto é muito difícil, se não sabemos escutar. O problema não é de como efetuar a transformação, pois, se se sabe escutar corretamente, sem resistência sob qualquer forma, a transformação se realizará independentemente de qualquer ato consciente. Não creio se possa realizar uma modificação radical mediante ação consciente ou qualquer espécie de incitamento ou compulsão.
Passarei agora a explicar como essa transformação se realiza, independente de “motivação”. Mas, para se compreender tal explicação, torna-se necessária uma atitude muito atenta, no escutar, livre de qualquer barreira, restrição, resistência. No momento em que se ouve a palavra “revolta”, “transformação”, ou “revolução”, essa palavra tem um significado preciso — o significado do dicionário, o significado comunista, socialista, ou, se a pessoa é religiosa, o significado adequado ao seu especial padrão de pensamento.
Esses padrões de pensamento estão constantemente a interferir naquilo que se está escutando. A dificuldade, por conseguinte, não vai ser a compreensão do problema, mas, sim, a maneira de estudar o problema, a maneira de escutar o problema. É muito importante compreender isso antes de se começar a apreciar qualquer problema.
Para produzir-se a compreensão, não há necessidade de resistência ao que se ouve, mas, sim, de seguir-se a corrente de pensamento a que se está dando atenção. Ninguém pode seguí-la, se ficar meramente resistindo, traduzindo, levantando contra ela as barreiras de suas próprias idéias. Se formos capazes de escutar sem resistência, estaremos então pensando juntos, e juntos encontraremos a mente num estado de transformação, alcançado sem qual quer persuasão, raciocínio ou conclusão lógica.
Para a maioria dos que estamos cônscios dos acontecimentos mundiais e das coisas que estão sucedendo neste país, é clara, parece-me, a necessidade de revolução; uma mudança de atitude, de pensamento, uma revolução do senso dos valores é essencial. É bem óbvia a necessidade de uma transformação, para haver paz, para haver o suficiente a alimentar toda a humanidade, para promover o entendimento entre os homens. A possibilidade do desenvolvimento completo do homem depende, necessariamente, de uma transformação vital, total. Mas, como efetuar essa transformação e que implica essa transformação? Há transformação quando a mente, o pensamento, só procura acomodar-se ao padrão de determinada cultura a hindú, a cristã, a budista — ou ao padrão de pensamento e ação do comunista? Pode esse ajustamento, em qualquer nível que seja, da nossa existência, operar a transformação? Se nos acomodamos a um padrão que nos foi imposto ou que nós mesmos criamos, é óbvio que já não há transformação; porque o padrão, o fim, é um resultado do nosso condicionamento. Se eu, como hinduísta, comunista ou cristão, me modifico de acordo com o plano segundo o qual fui criado, de acordo com uma idéia, uma determinada maneira de pensar, isso, por certo, não é transformação, já que está, apenas, obedecendo a uma reação condicionada. E quando me modifico pelo padrão de um temor, de uma defesa, de uma tradição, isto, evidentemente, não significa transformação; não é a revolução, não é a revolta radical procedente do que é.
Assim sendo, quando investigo o problema da transformação, não devo investigar como a minha mente está funcionando? Não devo conhecer o processo total do meu pensamento? Porque, se existe algum temor e esse temor me faz modificar-me, não há transformação; o temor projeta um padrão e eu me modifico de acordo com esse padrão; tem-se, por conseguinte, um mero ajustamento a determinado padrão “projetado” pelo temor. Se desejo promover a transformação, não devo examinar as múltiplas camadas do meu ser, consciente e bem assim inconsciente? Não devo pesquisar as reações superficiais dos meus pensamentos e “motivos”, e as correntes profundas de onde procedem todos os pensamentos e ações? Se desejo transformar-me, posso ter um padrão pelo qual me transformarei? Embora eu esteja a repetir coisa já dita, prestai atenção ao que estou dizendo; senão, perdereis o que está para vir.
Reconheço a necessidade de transformação, em mim mesmo e na sociedade. A sociedade são as minhas relações com outros, e nessas relações, a que chamo “a sociedade”, faz-se necessária uma transformação, uma demolição total, uma completa revolução do pensamento. Já que percebo a importância dessa transformação, pergunto: como pode ser feita? Depende a sua realização de especulações intelectuais, de conhecimentos da história e de sua interpretação, do conhecimento das várias questões sociais e métodos de reforma? Todo esse saber é capaz de produzir a revolução, a transformação total de mim mesmo, do meu pensar, de minha atitude, minhas atividades e pensamentos? Assim sendo, não é necessário — se tenho verdadeiro interesse — que eu investigue esta questão da transformação? Não devo investigar os móveis que me impelem à transformação, a minha ânsia de transformação? A ânsia de transformação pode produzir a transformação radical? Essa ânsia pode ser uma simples reação ao meu condicionamento, meu fundo, a impressões várias, de ordem social, econômica ou cultural. Pode-se promover a transformação sob compulsão de qualquer espécie?
Ou existe uma transformação não dependente do tempo? Deixai-me expressá-lo da seguinte maneira: Conhecemos a transformação em relação com o tempo, e o tempo compreende a compulsão a que nos sujeitam as várias formas de sociedade, cultura, relações, temores, o desejo de ganhar alguma coisa ou de evitar punição. Tudo isso está na esfera do tempo, não é verdade? São funções, resultados, atividades de uma mente oriunda do tempo. Considerando bem, a mente é resultado do tempo — do tempo cronológico, de séculos de tradição, séculos de educação, compulsão, temor. A mente, por conseguinte, é coisa do tempo. Pode a mente, resultado do tempo, operar uma revolução total e sem relação com o tempo? Se nos modificamos dentro da esfera do tempo, isto é, se me modifico por que minha sociedade o exige, por perceber a necessidade de fazê-lo sob alguma forma de compulsão, ou porque isso me proporcionará alguma vantagem, ou porque tenho medo e tudo isso, sem dúvida, é resultado dos cálculos da mente que pensa em “termos” de tempo, de hoje e amanhã - não pode haver revolução total. Isto é bem evidente, não achais? Quando a mente pensa em termos referentes ao tempo, para a transformação, há transformação? Ou só há uma continuidade, ajustamento a determinado padrão e, por conseqüência, nenhuma transformação?
O problema, pois, é este: Há transformação, há revolução não dependente do tempo? Não é esta a única revolução verdadeira — a revolução que não é produto da mente, produto do pensamento? Afinal de contas, o pensamento é a reação da memória, sendo a memória experiência, conhecimento, acumulação de inumeráveis reações e experiências; tudo isso constitui a mente, o fundo com que a mente reage; e essa reação é pensamento. O pensamento, portanto, é coisa do tempo. Enquanto eu me estiver transformando dentro do tempo — isto é, de acordo com um padrão qualquer: comunista, socialista, capitalista, católico, hinduísta, budista, etc. — a transformação estará sempre dentro da esfera do tempo. Quando a transformação obedece a um padrão, por mais amplo que seja, ela está sempre compreendida no tempo e, portanto, não há realmente transformação, revolução. Prestai atenção a isto, para o compreenderdes bem. Não o rejeiteis, dizendo “ puro disparate, que não nos leva a parte alguma” — mas escutai-o, ainda que não estejais habituados com esta idéia. Talvez a estejais ouvindo pela primeira vez. Não a rejeiteis porque, se quiserdes investigá-la pro fundamente, vereis como é extraordinário o seu conteúdo.
A transformação se realiza quando não existe medo, quando não existe “experimentador e experiência”; é só então que se verifica a revolução que está fora do tempo. Tal revolução, porém, não é possível, quando estou tentando transformar o “eu”, quando estou tentando transformar “o que é” noutra coisa diferente. Sou o resultado de compulsões e persuasões de toda ordem, sociais e espirituais, resultado de todo o condicionamento do impulso de aquisição; nisso está baseado o meu pensar. Desejando livrar-me desse condicionamento, desse impulso de aquisição, digo, de mim para mim: “Não devo ter o espírito de aquisição”. Devo exercitar-me no “não querer”. — Mas tal atividade está ainda na esfera do tempo, é ainda uma atividade da mente. Percebei bem isso; não digais “Que devo fazer para alcançar o “estado sem impulso aquisitivo”?” — Isto não é importante. Não é importante que se seja “não-aquisitivo”, O importante é compreender que a mente que quer fugir de um estado para outro está sempre funcionando dentro da esfera do tempo e, por esse motivo, não há revolução, não há transformação. Se fordes realmente capazes de compreender isso, estará então plantada a semente daquela revolução radical, a qual entrará em ação; não se precisa fazer coisa alguma.
Se há obstáculo à ação daquela semente, isso se deve à nossa resistência, ao nosso exclusivo interesse nos resultados imediatos. Assim que percebo a necessidade da transformação, logo quero saber “como” me transformarei, qual o método que devo seguir; só isso me interessa. O método implica continuidade da atividade da mente e só é capaz de produzir ação conforme com um padrão e, portanto, ação temporal, produtiva de sofrimento.
Pode haver ação não dependente do tempo, não dependente da mente, não condicionada pelo pensamento, que é puramente experiência do conhecimento? Tudo isso está relacionado com o tempo. Uma tal atividade, por conseguinte jamais produzirá revolução, uma revolução total em nosso desenvolvimento de entes humanos, O problema, pois, é este: Há possibilidade de revolução, de transformação, fora do tempo? Há possibilidade de transformação, sem interferência da mente? Percebo a importância da transformação. Todas as coisas se transformam, todas as relações se transformam, cada dia é um dia novo. Se sou capaz de compreender o novo dia, se estou morto, completamente para o “ontem”, que já é “coisa velha”, morto para todas as coisas que aprendi, que adquiri, que experimentei e compreendi, há então revolução em cada momento que vem, e há transformação. Mas o morrer para ontem não é atividade da mente. A mente não pode morrer por força de uma determinação, de evolução, de um ato da vontade. Se a mente reconhecer a verdade de que não pode produzir transformação alguma por ação da vontade, ou por meio de uma determinada conclusão ou compulsão, — e o que se produz por essa maneira é apenas uma continuidade, um resultado “modificado” e não uma revolução radical; se a mente estiver silenciosa, por uns poucos segundos apenas, para apreender a verdade dessa asserção, vereis, então, acontecer uma coisa extraordinária, independente de vós mesmos e da mente. Ocorre então, interiormente, uma transformação, sem nenhuma interferência da mente, que é pensamento condicionado. É um extraordinário estado mental, esse em que não existe “experimentador” e não existe “experiência”. Daí resulta uma revolução total. Esta revolução total é a única coisa que pode trazer a paz ao mundo. Todos os ajustamentos de caráter nacional, todas as reformas econômicas, de um grupo que domina outro grupo e liquida todos os demais grupos, tudo isso há de falhar, porque só pode trazer maiores sofrimentos e mais guerras. O que trará a paz para o mundo, a compreensão, o amor, não é a razão — pois esta se baseia em reação condicionada — mas só a mente que se compreende de maneira total e é capaz de achar-se naquele estado eternamente, “atemporalmente” novo. Isto não é uma impossibilidade, não é uma coisa idealística, fantástica ou mística. Se buscardes realmente esta coisa, encontra-la-eis, experimenta-la-eis diretamente; isso, porém, exige muita, muita meditação, investigação persistente, compreensão.
O importante, pois, é a compreensão da mente, e não o método de operar a transformação de si mesmo e, conseqüentemente, a transformação do mundo. O próprio processo da compreensão do problema produz uma transformação, independente de vós mesmos. Eis porque é importante ouvirdes estas palestras sem vos deixardes persuadir pelo que digo, mas percebendo a verdade contida no que estou dizendo. A verdade é que traz a revolução, e não a mente sagaz, a mente que calcula. Porque a verdade não pertence ao tempo, a verdade não pertence à Índia, à Europa, à Rússia, à América; não pertence a nenhum grupo, nenhuma religião, nenhum mentor, nenhum discípulo. Onde há um mentor, onde há um seguidor, onde há uma nacionalidade, lá não está a Verdade. A Verdade só pode surgir, quando a mente compreendeu e se acha tranqüila; só então pode manifestar-se aquela Realidade.
Tenho aqui várias perguntas. Antes de dar-lhes resposta, creio importante averiguar se ides escutar com o propósito de obter uma resposta, ou se ides dar toda a atenção somente ao problema. Estes são dois estados diferentes. É fácil fazer perguntas, assim como um colegial dispara uma pergunta e se põe à espera de uma resposta, pensando que essa resposta irá resolver todos os problemas e que o que se precisa fazer é apenas aceitar a resposta ou rebatê-la, como um estudante muito destro no debate. Só se fica nesse nível quando se está desejando uma resposta, quando se escuta para obter uma resposta. Mas, quando o que nos interessa é só o problema e não a resposta, nossa atitude é então de todo diferente. A primeira dessas duas atitudes é a própria do colegial, do individuo não amadurecido, e resulta de uma educação não inteligente; a outra requer madura investigação.
Assim, depende de vós a maneira como escutais. Se o fazeis com a atitude de quem busca uma resposta e vos sentis desapontados quando a não obtendes e dizeis — “Ele nunca responde às perguntas” — não pretendo dar resposta alguma, porquanto a vida não tem resposta, “sim” ou “não”. A vida é uma coisa imensa, vastíssima; tudo corre para ela, como para um mar. É qual o rio caudaloso, que segue o seu curso até o mar, levando consigo o bom, o mau, o daninho, o belo e o feio. Essa totalidade constitui o Oceano, que não é apenas as atividades superficiais, as rugas da superfície. Investigar um problema, sem resistência, sem opor barreiras, sem preconceitos, é muito difícil. Nós temos de investigar o problema e de compreender-lhe os aspectos mais profundos. Temos, pois, que só há problemas e não soluções ou respostas. A meu ver, se pudermos compreender verdadeiramente, sentir verdadeiramente que a vida é um problema, que ela não é algo que se tem de concluir, um refúgio onde se encontra perene segurança, nossa atitude, nossas atividades e pensamentos serão então totalmente diversos. Estaremos, então, aptos a receber todas as coisas e sermos ao mesmo tempo “como o nada”.
PERGUNTA: Observa-se na Índia, hoje em dia, uma total ausência de beleza e a destruição das coisas belas, em todos os setores — político, social, psicológico e cultural. A que atribuís esse fato e de que maneira obviar essa desintegração total?
KRISHNAMURTI: Porque há desintegração, não só nesta terra infeliz, superpovoada, miserável e faminta, mas também no mundo inteiro? Porque existe esta desintegração? Não procureis uma resposta; esperai. Não apresenteis razões imediatas, porque as vossas razões serão de acordo com o vosso fundo, vosso condicionamento comunista, hinduísta, capitalista, cristão, ou qual seja ele. Prestai atenção: quando vos fazem uma pergunta — “Porque há desintegração?” — a vossa resposta é ditada pelo vosso fundo, vossos conhecimentos, vossa experiência, não é verdade? Esta reação não é a causa da desintegração? Examinemos esta questão vagarosamente, para acharmos a verdade respectiva. Porque há desintegração? Porque se tornou a mente medíocre, inferior? Porque estamos interessados só em nossas insignificantes pessoas? Porque nos identificamos com um “eu maior” — que, contudo, é ainda medíocre? Porque sou pequeno, identifico-me com al go que é maior; porém, minha mente continua pequena, inferior. Posso identificar-me com Deus, com a Verdade, ou com a Nação; mas minha mente continua medíocre. Por mais que a mente se identifique com algo maior, esse próprio processo de identificação é sempre de ordem inferior.
Senhores, porque nos vemos presos nesta rede de inferioridade, de deterioração? Sabeis que a vossa mente está a deteriorar-se? Ou dizeis: “Minha mente não se está deteriorando; está funcionando maravilhosamente, sem esforço algum, como um mecanismo impecável, sem resistências, sem temores, sem pensar no amanhã”? É óbvio, só muito poucos de nós podemos dizer tal coisa. Se puderdes compreender porque a mente se deteriora, compreendereis então porque se está desintegrando a cultura e por que se desintegram os valores sociais e as várias formas e expressões da beleza.
Porque se está deteriorando a mente? Este é que é o problema, e não: “porque há, na Índia, desintegração em todos os setores?” Porque se desintegra a vossa mente? Se um ou dois de nós pudermos compreender isto verdadeiramente, um ou dois de nós poderemos transformar o mundo. Já que, em geral, não estamos interessados em tal coisa, não nos achamos capacitados para efetuar uma revolução completa. Nessas condições, só aqueles poucos que puderem compreendê-la verdadeiramente serão capazes de produzir no mundo uma revolução de extraordinária magnitude.
Porque se está deteriorando a vossa mente? Dizeis que, culturalmente, nos estamos desintegrando. Que é “cultura”? Simples expressão, imitação de uma forma, concebida pelo espírito humano? Atualmente, na Índia, a mente está completamente tolhida, agrilhoada pela chamada cultura, pela tradição, pela ausência de alegria, pelo medo de uma existência não futurosa, pela falta de segurança ou pelo desemprego. É esta a razão pela qual a mente, tão condicionada que está, tão completamente tolhida, se vê privada da iniciativa, do impulso criador? É porque a mente tem a tendência de imitar e copiar, é por isso que ela se está desintegrando e não pode estar intensamente ativa, criando?
Como pode ser criadora a mente quando existe temor? O problema, portanto, não é o seguinte: “Pode a minha mente, a vossa mente, a mente comum, a mente que está agitada, por causa das responsabilidades de família, dos seus deleites, da rotina num escritório, debaixo de um chefe tirânico, a mente prisioneira da tradição, da riqueza — pode a mente em tais condições ser criadora?” Se se liberta do seu condicionamento, claro que a mente é então criadora, Se percebe a verdade de que qualquer modalidade de imitação lhe é perniciosa, é claro que a mente abandonará a imitação. Mas nós não enxergamos essa verdade. Por essa razão prossegue, irremitente, o lento processo da desintegração.
Pode uma mente estar livre do medo? Aí está o âmago do problema, pois o medo é desintegração Quando intimidamos uma criança, ela cede; mas com a imitação, a compulsão, destrói-se o espírito. Pode ele estar livre do medo? O medo não existe só sob uma determinada forma — medo de ser punido, medo de perder o emprego, medo ao insucesso — porque a mente teme em todas as suas relações. Pode ela estar livre do medo, onde quer que ele se encontre, no escritório ou no lar, em qualquer parte onde atue? Não digais “não”. Se sei que tenho medo, nas minhas relações e a vários respeitos, esse próprio conhecimento, esse percebimento mesmo da existência do temor, produzirá uma transformação. Mas a transformação é impossível se se quer transformar o medo noutra coisa, por exemplo, em amor; porque, nesse caso, o amor será uma outra forma do temor. Vede bem isso, senhores. Se reconheço que tenho medo de alguém e não desejo transformar esse medo noutra coisa, se sei, simplesmente, que tenho medo, o medo, então, começa a transformar-se em algo totalmente diverso daquilo que a mente deseja.
Enunciemos o problema de outro modo. O problema existe por causa da resistência, e se não há resistência, não há problema. Mas, para se compreender a resistência requer-se extraordinário discernimento e penetração, e não mera determinação ou ação da vontade, dizendo-se: “Não sustentarei resistência alguma”. A própria declaração: “Não sustentarei resistência”, é uma forma de resistência. Entretanto, se compreenderdes a profundidade, a qualidade, as várias modalidades de resistência, existentes na mente — as quais são dificílimas de descobrir vereis então que o problema do medo nem chega a nascer. A mente está então morrendo todos os dias, não está mais a acumular. E esse morrer para cada dia significa morrer para tudo o que se sabe, morrer para a experiência, morrer para todas as coisas que se têm acumulado, estimado, acalentado. Só então existe a possibilidade do nascimento de uma mente nova, uma mente criadora.
Enquanto se for hinduísta, comunista, budista ou o que quer que seja, não se pode ter um espírito novo. Enquanto a mente está na sujeição do temor e, por essa razão, observando determinada rotina ou ritual, ela não é uma mente nova. Enquanto se pratica puja e se observam mandamentos — atos esses que são “projeções” do medo, a mente não pode ser nova. Se, ouvindo estas palavras dizeis: “quero ter uma mente nova”, não a tereis. A mente nova não nasce por obra do desejo e da compulsão. Ela só pode nascer espontaneamente, uma vez compreendida pela mente a sua própria capacidade, suas atividades, suas profundezas.
É importante compreender a verdade a respeito da transformação. A mente não pode repudiar o temor, por que ela própria é temor, e é só isso o que se conhece da mente: o medo — medo ao que digam de nós, medo da morte, medo de perder o que se tem, medo à punição, medo de não alcançar o que se deseja, medo de “não-preenchimento”. A mente, pois, nas suas condições atuais, é toda temor. E quando essa mente deseja transforma-se, continua, não obstante, no campo do temor; este é um óbvio fato psicológico. Inventa, assim, a mente um “eu superior”, o Atman, para operar a transformação; mas este, também, está na esfera do temor, já que é uma invenção mental. Não importa o que disse Buda, Sankara ou outro qualquer. Tudo continua na esfera do pensamento e quando a mente aspira à transformação dentro da esfera do pensamento, da esfera do tempo, não há transformação, mas a continuação do medo sob nova forma.
O homem que cultiva um ideal nunca conhecerá uma mente nova; e esta é a praga que infesta o nosso país. Somos todos idealistas, que desejamos adaptar-nos à não- violência, a isto ou àquilo. Todos somos imitadores. Eis porque jamais temos a mente fresca, a mente completa e totalmente nova, e só nossa, não de Sankara, de Marx ou de outro qualquer. Essa total “novidade”, esse estado completo da mente, só pode realizar-se quando não existe experimentador nem experiência; só existe esse estado quando se pode morrer totalmente para cada dia e para tudo o que se tem acumulado psicologicamente. Só então há a possibilidade de uma regeneração completa. Isto não é coisa irrealizável, não é simples retórica. É uma coisa possível, desde que seja meditada e compreendida a fundo; eis porque é importante conhecer, pesquisar o que é verdadeiro. Mas não se pode escrutar o verdadeiro quando a mente não está silenciosa. Se a mente está sempre a pedir, a exigir, a rogar, a desejar isto ou aquilo, a largar uma coisa para pegar outra, não é uma mente serena.
Sêde serenos, tranqüilos. Vêde as árvores, os pássaros, o céu, a beleza, as riquezas da existência humana. Observai, silenciosa e vigilantemente. Nesse silêncio se manifesta aquela coisa indefinível, imensurável, atemporal.
(Krishnamurti - Conferência com perguntas e repostas, realizada em Bombaim, Índia em 7 de fevereiro de 1954 - do Livro: As Ilusões da Mente)
Esta tarde, desejo falar sobre o problema da transformação. Já pensastes a seu respeito? Se já o fizestes, deveis ter notado quão difícil é operar uma mudança em nós mesmos. Percebemos em certos momentos a necessidade de transformação, de um certo ajustamento à vida, uma revolução radical em nós mesmos, independente de qualquer padrão de pensamento, ou compulsão. Quem observa as numerosas complicações da existência, sente o desejo imenso de efetuar uma revolução em si próprio. Já deveis — pelo menos os mais ponderados dentre vós — ter refletido a esse respeito, isto é, sobre como efetuar essa transformação, como irá ela influir em nossas relações mútuas ou com a sociedade, e se essa revolução terá algum efeito sobre a sociedade.
Este problema, bem examinado, é sumamente complexo e envolve muitas outras questões, que se agitam não apenas no nível superficial do nosso pensar, mas também profundamente, no nível inconsciente. Preliminarmente, porém, desejo recomendar-vos que, ao iniciar eu o estudo do problema, me escuteis com atenção e sem resistência; se assim fizerdes, então, talvez possais encontrar-vos naquele estado de total revolução interior. Afinal, é com este fim em vista que vos falo, e não para convencer-vos sobre uma determinada forma de modificação ou dizer-vos que deveis transformar-vos em conformidade com um certo padrão; nisso não há nenhuma possibilidade de transformação e, sim, meramente, ajustamento, adaptação a determinado padrão de ação — e isto não é revolução, não é transformação.
Se escutardes, sem resistência de espécie alguma, estou certo de que vos vereis num estado de revolução, dentro de vós mesmos, não operada por qualquer compulsão de minha parte, mas de maneira completamente natural. Permiti-me, pois, sugerir que me escuteis sem resistência. Em geral, nós não escutamos verdadeiramente, pois costumamos escutar com uma intenção, um “motivo”, um propósito, o que denota esforço. Pelo esforço, não se pode compreender coisa alguma.
Vêde bem a importância disso. Para se compreender uma coisa, é necessário escutá-la sem esforço, sem compulsão, sem resistência, inclinação, opinião ou juízo. Isto é muito difícil, se não sabemos escutar. O problema não é de como efetuar a transformação, pois, se se sabe escutar corretamente, sem resistência sob qualquer forma, a transformação se realizará independentemente de qualquer ato consciente. Não creio se possa realizar uma modificação radical mediante ação consciente ou qualquer espécie de incitamento ou compulsão.
Passarei agora a explicar como essa transformação se realiza, independente de “motivação”. Mas, para se compreender tal explicação, torna-se necessária uma atitude muito atenta, no escutar, livre de qualquer barreira, restrição, resistência. No momento em que se ouve a palavra “revolta”, “transformação”, ou “revolução”, essa palavra tem um significado preciso — o significado do dicionário, o significado comunista, socialista, ou, se a pessoa é religiosa, o significado adequado ao seu especial padrão de pensamento.
Esses padrões de pensamento estão constantemente a interferir naquilo que se está escutando. A dificuldade, por conseguinte, não vai ser a compreensão do problema, mas, sim, a maneira de estudar o problema, a maneira de escutar o problema. É muito importante compreender isso antes de se começar a apreciar qualquer problema.
Para produzir-se a compreensão, não há necessidade de resistência ao que se ouve, mas, sim, de seguir-se a corrente de pensamento a que se está dando atenção. Ninguém pode seguí-la, se ficar meramente resistindo, traduzindo, levantando contra ela as barreiras de suas próprias idéias. Se formos capazes de escutar sem resistência, estaremos então pensando juntos, e juntos encontraremos a mente num estado de transformação, alcançado sem qual quer persuasão, raciocínio ou conclusão lógica.
Para a maioria dos que estamos cônscios dos acontecimentos mundiais e das coisas que estão sucedendo neste país, é clara, parece-me, a necessidade de revolução; uma mudança de atitude, de pensamento, uma revolução do senso dos valores é essencial. É bem óbvia a necessidade de uma transformação, para haver paz, para haver o suficiente a alimentar toda a humanidade, para promover o entendimento entre os homens. A possibilidade do desenvolvimento completo do homem depende, necessariamente, de uma transformação vital, total. Mas, como efetuar essa transformação e que implica essa transformação? Há transformação quando a mente, o pensamento, só procura acomodar-se ao padrão de determinada cultura a hindú, a cristã, a budista — ou ao padrão de pensamento e ação do comunista? Pode esse ajustamento, em qualquer nível que seja, da nossa existência, operar a transformação? Se nos acomodamos a um padrão que nos foi imposto ou que nós mesmos criamos, é óbvio que já não há transformação; porque o padrão, o fim, é um resultado do nosso condicionamento. Se eu, como hinduísta, comunista ou cristão, me modifico de acordo com o plano segundo o qual fui criado, de acordo com uma idéia, uma determinada maneira de pensar, isso, por certo, não é transformação, já que está, apenas, obedecendo a uma reação condicionada. E quando me modifico pelo padrão de um temor, de uma defesa, de uma tradição, isto, evidentemente, não significa transformação; não é a revolução, não é a revolta radical procedente do que é.
Assim sendo, quando investigo o problema da transformação, não devo investigar como a minha mente está funcionando? Não devo conhecer o processo total do meu pensamento? Porque, se existe algum temor e esse temor me faz modificar-me, não há transformação; o temor projeta um padrão e eu me modifico de acordo com esse padrão; tem-se, por conseguinte, um mero ajustamento a determinado padrão “projetado” pelo temor. Se desejo promover a transformação, não devo examinar as múltiplas camadas do meu ser, consciente e bem assim inconsciente? Não devo pesquisar as reações superficiais dos meus pensamentos e “motivos”, e as correntes profundas de onde procedem todos os pensamentos e ações? Se desejo transformar-me, posso ter um padrão pelo qual me transformarei? Embora eu esteja a repetir coisa já dita, prestai atenção ao que estou dizendo; senão, perdereis o que está para vir.
Reconheço a necessidade de transformação, em mim mesmo e na sociedade. A sociedade são as minhas relações com outros, e nessas relações, a que chamo “a sociedade”, faz-se necessária uma transformação, uma demolição total, uma completa revolução do pensamento. Já que percebo a importância dessa transformação, pergunto: como pode ser feita? Depende a sua realização de especulações intelectuais, de conhecimentos da história e de sua interpretação, do conhecimento das várias questões sociais e métodos de reforma? Todo esse saber é capaz de produzir a revolução, a transformação total de mim mesmo, do meu pensar, de minha atitude, minhas atividades e pensamentos? Assim sendo, não é necessário — se tenho verdadeiro interesse — que eu investigue esta questão da transformação? Não devo investigar os móveis que me impelem à transformação, a minha ânsia de transformação? A ânsia de transformação pode produzir a transformação radical? Essa ânsia pode ser uma simples reação ao meu condicionamento, meu fundo, a impressões várias, de ordem social, econômica ou cultural. Pode-se promover a transformação sob compulsão de qualquer espécie?
Ou existe uma transformação não dependente do tempo? Deixai-me expressá-lo da seguinte maneira: Conhecemos a transformação em relação com o tempo, e o tempo compreende a compulsão a que nos sujeitam as várias formas de sociedade, cultura, relações, temores, o desejo de ganhar alguma coisa ou de evitar punição. Tudo isso está na esfera do tempo, não é verdade? São funções, resultados, atividades de uma mente oriunda do tempo. Considerando bem, a mente é resultado do tempo — do tempo cronológico, de séculos de tradição, séculos de educação, compulsão, temor. A mente, por conseguinte, é coisa do tempo. Pode a mente, resultado do tempo, operar uma revolução total e sem relação com o tempo? Se nos modificamos dentro da esfera do tempo, isto é, se me modifico por que minha sociedade o exige, por perceber a necessidade de fazê-lo sob alguma forma de compulsão, ou porque isso me proporcionará alguma vantagem, ou porque tenho medo e tudo isso, sem dúvida, é resultado dos cálculos da mente que pensa em “termos” de tempo, de hoje e amanhã - não pode haver revolução total. Isto é bem evidente, não achais? Quando a mente pensa em termos referentes ao tempo, para a transformação, há transformação? Ou só há uma continuidade, ajustamento a determinado padrão e, por conseqüência, nenhuma transformação?
O problema, pois, é este: Há transformação, há revolução não dependente do tempo? Não é esta a única revolução verdadeira — a revolução que não é produto da mente, produto do pensamento? Afinal de contas, o pensamento é a reação da memória, sendo a memória experiência, conhecimento, acumulação de inumeráveis reações e experiências; tudo isso constitui a mente, o fundo com que a mente reage; e essa reação é pensamento. O pensamento, portanto, é coisa do tempo. Enquanto eu me estiver transformando dentro do tempo — isto é, de acordo com um padrão qualquer: comunista, socialista, capitalista, católico, hinduísta, budista, etc. — a transformação estará sempre dentro da esfera do tempo. Quando a transformação obedece a um padrão, por mais amplo que seja, ela está sempre compreendida no tempo e, portanto, não há realmente transformação, revolução. Prestai atenção a isto, para o compreenderdes bem. Não o rejeiteis, dizendo “ puro disparate, que não nos leva a parte alguma” — mas escutai-o, ainda que não estejais habituados com esta idéia. Talvez a estejais ouvindo pela primeira vez. Não a rejeiteis porque, se quiserdes investigá-la pro fundamente, vereis como é extraordinário o seu conteúdo.
A transformação se realiza quando não existe medo, quando não existe “experimentador e experiência”; é só então que se verifica a revolução que está fora do tempo. Tal revolução, porém, não é possível, quando estou tentando transformar o “eu”, quando estou tentando transformar “o que é” noutra coisa diferente. Sou o resultado de compulsões e persuasões de toda ordem, sociais e espirituais, resultado de todo o condicionamento do impulso de aquisição; nisso está baseado o meu pensar. Desejando livrar-me desse condicionamento, desse impulso de aquisição, digo, de mim para mim: “Não devo ter o espírito de aquisição”. Devo exercitar-me no “não querer”. — Mas tal atividade está ainda na esfera do tempo, é ainda uma atividade da mente. Percebei bem isso; não digais “Que devo fazer para alcançar o “estado sem impulso aquisitivo”?” — Isto não é importante. Não é importante que se seja “não-aquisitivo”, O importante é compreender que a mente que quer fugir de um estado para outro está sempre funcionando dentro da esfera do tempo e, por esse motivo, não há revolução, não há transformação. Se fordes realmente capazes de compreender isso, estará então plantada a semente daquela revolução radical, a qual entrará em ação; não se precisa fazer coisa alguma.
Se há obstáculo à ação daquela semente, isso se deve à nossa resistência, ao nosso exclusivo interesse nos resultados imediatos. Assim que percebo a necessidade da transformação, logo quero saber “como” me transformarei, qual o método que devo seguir; só isso me interessa. O método implica continuidade da atividade da mente e só é capaz de produzir ação conforme com um padrão e, portanto, ação temporal, produtiva de sofrimento.
Pode haver ação não dependente do tempo, não dependente da mente, não condicionada pelo pensamento, que é puramente experiência do conhecimento? Tudo isso está relacionado com o tempo. Uma tal atividade, por conseguinte jamais produzirá revolução, uma revolução total em nosso desenvolvimento de entes humanos, O problema, pois, é este: Há possibilidade de revolução, de transformação, fora do tempo? Há possibilidade de transformação, sem interferência da mente? Percebo a importância da transformação. Todas as coisas se transformam, todas as relações se transformam, cada dia é um dia novo. Se sou capaz de compreender o novo dia, se estou morto, completamente para o “ontem”, que já é “coisa velha”, morto para todas as coisas que aprendi, que adquiri, que experimentei e compreendi, há então revolução em cada momento que vem, e há transformação. Mas o morrer para ontem não é atividade da mente. A mente não pode morrer por força de uma determinação, de evolução, de um ato da vontade. Se a mente reconhecer a verdade de que não pode produzir transformação alguma por ação da vontade, ou por meio de uma determinada conclusão ou compulsão, — e o que se produz por essa maneira é apenas uma continuidade, um resultado “modificado” e não uma revolução radical; se a mente estiver silenciosa, por uns poucos segundos apenas, para apreender a verdade dessa asserção, vereis, então, acontecer uma coisa extraordinária, independente de vós mesmos e da mente. Ocorre então, interiormente, uma transformação, sem nenhuma interferência da mente, que é pensamento condicionado. É um extraordinário estado mental, esse em que não existe “experimentador” e não existe “experiência”. Daí resulta uma revolução total. Esta revolução total é a única coisa que pode trazer a paz ao mundo. Todos os ajustamentos de caráter nacional, todas as reformas econômicas, de um grupo que domina outro grupo e liquida todos os demais grupos, tudo isso há de falhar, porque só pode trazer maiores sofrimentos e mais guerras. O que trará a paz para o mundo, a compreensão, o amor, não é a razão — pois esta se baseia em reação condicionada — mas só a mente que se compreende de maneira total e é capaz de achar-se naquele estado eternamente, “atemporalmente” novo. Isto não é uma impossibilidade, não é uma coisa idealística, fantástica ou mística. Se buscardes realmente esta coisa, encontra-la-eis, experimenta-la-eis diretamente; isso, porém, exige muita, muita meditação, investigação persistente, compreensão.
O importante, pois, é a compreensão da mente, e não o método de operar a transformação de si mesmo e, conseqüentemente, a transformação do mundo. O próprio processo da compreensão do problema produz uma transformação, independente de vós mesmos. Eis porque é importante ouvirdes estas palestras sem vos deixardes persuadir pelo que digo, mas percebendo a verdade contida no que estou dizendo. A verdade é que traz a revolução, e não a mente sagaz, a mente que calcula. Porque a verdade não pertence ao tempo, a verdade não pertence à Índia, à Europa, à Rússia, à América; não pertence a nenhum grupo, nenhuma religião, nenhum mentor, nenhum discípulo. Onde há um mentor, onde há um seguidor, onde há uma nacionalidade, lá não está a Verdade. A Verdade só pode surgir, quando a mente compreendeu e se acha tranqüila; só então pode manifestar-se aquela Realidade.
Tenho aqui várias perguntas. Antes de dar-lhes resposta, creio importante averiguar se ides escutar com o propósito de obter uma resposta, ou se ides dar toda a atenção somente ao problema. Estes são dois estados diferentes. É fácil fazer perguntas, assim como um colegial dispara uma pergunta e se põe à espera de uma resposta, pensando que essa resposta irá resolver todos os problemas e que o que se precisa fazer é apenas aceitar a resposta ou rebatê-la, como um estudante muito destro no debate. Só se fica nesse nível quando se está desejando uma resposta, quando se escuta para obter uma resposta. Mas, quando o que nos interessa é só o problema e não a resposta, nossa atitude é então de todo diferente. A primeira dessas duas atitudes é a própria do colegial, do individuo não amadurecido, e resulta de uma educação não inteligente; a outra requer madura investigação.
Assim, depende de vós a maneira como escutais. Se o fazeis com a atitude de quem busca uma resposta e vos sentis desapontados quando a não obtendes e dizeis — “Ele nunca responde às perguntas” — não pretendo dar resposta alguma, porquanto a vida não tem resposta, “sim” ou “não”. A vida é uma coisa imensa, vastíssima; tudo corre para ela, como para um mar. É qual o rio caudaloso, que segue o seu curso até o mar, levando consigo o bom, o mau, o daninho, o belo e o feio. Essa totalidade constitui o Oceano, que não é apenas as atividades superficiais, as rugas da superfície. Investigar um problema, sem resistência, sem opor barreiras, sem preconceitos, é muito difícil. Nós temos de investigar o problema e de compreender-lhe os aspectos mais profundos. Temos, pois, que só há problemas e não soluções ou respostas. A meu ver, se pudermos compreender verdadeiramente, sentir verdadeiramente que a vida é um problema, que ela não é algo que se tem de concluir, um refúgio onde se encontra perene segurança, nossa atitude, nossas atividades e pensamentos serão então totalmente diversos. Estaremos, então, aptos a receber todas as coisas e sermos ao mesmo tempo “como o nada”.
PERGUNTA: Observa-se na Índia, hoje em dia, uma total ausência de beleza e a destruição das coisas belas, em todos os setores — político, social, psicológico e cultural. A que atribuís esse fato e de que maneira obviar essa desintegração total?
KRISHNAMURTI: Porque há desintegração, não só nesta terra infeliz, superpovoada, miserável e faminta, mas também no mundo inteiro? Porque existe esta desintegração? Não procureis uma resposta; esperai. Não apresenteis razões imediatas, porque as vossas razões serão de acordo com o vosso fundo, vosso condicionamento comunista, hinduísta, capitalista, cristão, ou qual seja ele. Prestai atenção: quando vos fazem uma pergunta — “Porque há desintegração?” — a vossa resposta é ditada pelo vosso fundo, vossos conhecimentos, vossa experiência, não é verdade? Esta reação não é a causa da desintegração? Examinemos esta questão vagarosamente, para acharmos a verdade respectiva. Porque há desintegração? Porque se tornou a mente medíocre, inferior? Porque estamos interessados só em nossas insignificantes pessoas? Porque nos identificamos com um “eu maior” — que, contudo, é ainda medíocre? Porque sou pequeno, identifico-me com al go que é maior; porém, minha mente continua pequena, inferior. Posso identificar-me com Deus, com a Verdade, ou com a Nação; mas minha mente continua medíocre. Por mais que a mente se identifique com algo maior, esse próprio processo de identificação é sempre de ordem inferior.
Senhores, porque nos vemos presos nesta rede de inferioridade, de deterioração? Sabeis que a vossa mente está a deteriorar-se? Ou dizeis: “Minha mente não se está deteriorando; está funcionando maravilhosamente, sem esforço algum, como um mecanismo impecável, sem resistências, sem temores, sem pensar no amanhã”? É óbvio, só muito poucos de nós podemos dizer tal coisa. Se puderdes compreender porque a mente se deteriora, compreendereis então porque se está desintegrando a cultura e por que se desintegram os valores sociais e as várias formas e expressões da beleza.
Porque se está deteriorando a mente? Este é que é o problema, e não: “porque há, na Índia, desintegração em todos os setores?” Porque se desintegra a vossa mente? Se um ou dois de nós pudermos compreender isto verdadeiramente, um ou dois de nós poderemos transformar o mundo. Já que, em geral, não estamos interessados em tal coisa, não nos achamos capacitados para efetuar uma revolução completa. Nessas condições, só aqueles poucos que puderem compreendê-la verdadeiramente serão capazes de produzir no mundo uma revolução de extraordinária magnitude.
Porque se está deteriorando a vossa mente? Dizeis que, culturalmente, nos estamos desintegrando. Que é “cultura”? Simples expressão, imitação de uma forma, concebida pelo espírito humano? Atualmente, na Índia, a mente está completamente tolhida, agrilhoada pela chamada cultura, pela tradição, pela ausência de alegria, pelo medo de uma existência não futurosa, pela falta de segurança ou pelo desemprego. É esta a razão pela qual a mente, tão condicionada que está, tão completamente tolhida, se vê privada da iniciativa, do impulso criador? É porque a mente tem a tendência de imitar e copiar, é por isso que ela se está desintegrando e não pode estar intensamente ativa, criando?
Como pode ser criadora a mente quando existe temor? O problema, portanto, não é o seguinte: “Pode a minha mente, a vossa mente, a mente comum, a mente que está agitada, por causa das responsabilidades de família, dos seus deleites, da rotina num escritório, debaixo de um chefe tirânico, a mente prisioneira da tradição, da riqueza — pode a mente em tais condições ser criadora?” Se se liberta do seu condicionamento, claro que a mente é então criadora, Se percebe a verdade de que qualquer modalidade de imitação lhe é perniciosa, é claro que a mente abandonará a imitação. Mas nós não enxergamos essa verdade. Por essa razão prossegue, irremitente, o lento processo da desintegração.
Pode uma mente estar livre do medo? Aí está o âmago do problema, pois o medo é desintegração Quando intimidamos uma criança, ela cede; mas com a imitação, a compulsão, destrói-se o espírito. Pode ele estar livre do medo? O medo não existe só sob uma determinada forma — medo de ser punido, medo de perder o emprego, medo ao insucesso — porque a mente teme em todas as suas relações. Pode ela estar livre do medo, onde quer que ele se encontre, no escritório ou no lar, em qualquer parte onde atue? Não digais “não”. Se sei que tenho medo, nas minhas relações e a vários respeitos, esse próprio conhecimento, esse percebimento mesmo da existência do temor, produzirá uma transformação. Mas a transformação é impossível se se quer transformar o medo noutra coisa, por exemplo, em amor; porque, nesse caso, o amor será uma outra forma do temor. Vede bem isso, senhores. Se reconheço que tenho medo de alguém e não desejo transformar esse medo noutra coisa, se sei, simplesmente, que tenho medo, o medo, então, começa a transformar-se em algo totalmente diverso daquilo que a mente deseja.
Enunciemos o problema de outro modo. O problema existe por causa da resistência, e se não há resistência, não há problema. Mas, para se compreender a resistência requer-se extraordinário discernimento e penetração, e não mera determinação ou ação da vontade, dizendo-se: “Não sustentarei resistência alguma”. A própria declaração: “Não sustentarei resistência”, é uma forma de resistência. Entretanto, se compreenderdes a profundidade, a qualidade, as várias modalidades de resistência, existentes na mente — as quais são dificílimas de descobrir vereis então que o problema do medo nem chega a nascer. A mente está então morrendo todos os dias, não está mais a acumular. E esse morrer para cada dia significa morrer para tudo o que se sabe, morrer para a experiência, morrer para todas as coisas que se têm acumulado, estimado, acalentado. Só então existe a possibilidade do nascimento de uma mente nova, uma mente criadora.
Enquanto se for hinduísta, comunista, budista ou o que quer que seja, não se pode ter um espírito novo. Enquanto a mente está na sujeição do temor e, por essa razão, observando determinada rotina ou ritual, ela não é uma mente nova. Enquanto se pratica puja e se observam mandamentos — atos esses que são “projeções” do medo, a mente não pode ser nova. Se, ouvindo estas palavras dizeis: “quero ter uma mente nova”, não a tereis. A mente nova não nasce por obra do desejo e da compulsão. Ela só pode nascer espontaneamente, uma vez compreendida pela mente a sua própria capacidade, suas atividades, suas profundezas.
É importante compreender a verdade a respeito da transformação. A mente não pode repudiar o temor, por que ela própria é temor, e é só isso o que se conhece da mente: o medo — medo ao que digam de nós, medo da morte, medo de perder o que se tem, medo à punição, medo de não alcançar o que se deseja, medo de “não-preenchimento”. A mente, pois, nas suas condições atuais, é toda temor. E quando essa mente deseja transforma-se, continua, não obstante, no campo do temor; este é um óbvio fato psicológico. Inventa, assim, a mente um “eu superior”, o Atman, para operar a transformação; mas este, também, está na esfera do temor, já que é uma invenção mental. Não importa o que disse Buda, Sankara ou outro qualquer. Tudo continua na esfera do pensamento e quando a mente aspira à transformação dentro da esfera do pensamento, da esfera do tempo, não há transformação, mas a continuação do medo sob nova forma.
O homem que cultiva um ideal nunca conhecerá uma mente nova; e esta é a praga que infesta o nosso país. Somos todos idealistas, que desejamos adaptar-nos à não- violência, a isto ou àquilo. Todos somos imitadores. Eis porque jamais temos a mente fresca, a mente completa e totalmente nova, e só nossa, não de Sankara, de Marx ou de outro qualquer. Essa total “novidade”, esse estado completo da mente, só pode realizar-se quando não existe experimentador nem experiência; só existe esse estado quando se pode morrer totalmente para cada dia e para tudo o que se tem acumulado psicologicamente. Só então há a possibilidade de uma regeneração completa. Isto não é coisa irrealizável, não é simples retórica. É uma coisa possível, desde que seja meditada e compreendida a fundo; eis porque é importante conhecer, pesquisar o que é verdadeiro. Mas não se pode escrutar o verdadeiro quando a mente não está silenciosa. Se a mente está sempre a pedir, a exigir, a rogar, a desejar isto ou aquilo, a largar uma coisa para pegar outra, não é uma mente serena.
Sêde serenos, tranqüilos. Vêde as árvores, os pássaros, o céu, a beleza, as riquezas da existência humana. Observai, silenciosa e vigilantemente. Nesse silêncio se manifesta aquela coisa indefinível, imensurável, atemporal.
(Krishnamurti - Conferência com perguntas e repostas, realizada em Bombaim, Índia em 7 de fevereiro de 1954 - do Livro: As Ilusões da Mente)
sexta-feira, 25 de março de 2011
quinta-feira, 24 de março de 2011
Meditações
Sobre Aqui e Agora
"Quero me reconciliar com meus amigos do passado e do presente. Se você concordar, gostaria de desenvolver contigo a arte de viver plenamente, de florescer o amor em nós mesmos e de estar em harmonia com a humanidade e abraçar a humanidade em nós mesmos e no outro"
"Por favor, acredite que tenho fé comigo e que nas minhas ações busco florescer o amor, assim como também tenho fé em ti"
"Eu só posso te amar se tenho o amor em mim. Se não vivo o amor não posso saber o que é o amor, e eu seria um charlatão dizendo que te amo, eu seria alguém sem vida e carente de vida procurando uma vida para me sustentar. Eu seria um parasita. E não, não é isso que eu quero. Eu amo, e por isso te amo, e só posso te provar isso com o ato de coragem que é viver o presente, que é viver passo a passo, aprendendo a cada ação a caminhar, a ser pleno. E sendo pleno, te amar é estar livre de você, é te ver livre, e cultivar contigo a sua liberdade. Só podemos amar um ao outro se formos livres"
"Porque a semente que permanece presa a terra jamais se torna flor"
--------------------------------------------------------------------
"Não sou mais Bazarov.
E nem Zaratustra".
Sobre Aqui e Agora
"Quero me reconciliar com meus amigos do passado e do presente. Se você concordar, gostaria de desenvolver contigo a arte de viver plenamente, de florescer o amor em nós mesmos e de estar em harmonia com a humanidade e abraçar a humanidade em nós mesmos e no outro"
"Por favor, acredite que tenho fé comigo e que nas minhas ações busco florescer o amor, assim como também tenho fé em ti"
"Eu só posso te amar se tenho o amor em mim. Se não vivo o amor não posso saber o que é o amor, e eu seria um charlatão dizendo que te amo, eu seria alguém sem vida e carente de vida procurando uma vida para me sustentar. Eu seria um parasita. E não, não é isso que eu quero. Eu amo, e por isso te amo, e só posso te provar isso com o ato de coragem que é viver o presente, que é viver passo a passo, aprendendo a cada ação a caminhar, a ser pleno. E sendo pleno, te amar é estar livre de você, é te ver livre, e cultivar contigo a sua liberdade. Só podemos amar um ao outro se formos livres"
"Porque a semente que permanece presa a terra jamais se torna flor"
--------------------------------------------------------------------
"Não sou mais Bazarov.
E nem Zaratustra".
sábado, 26 de fevereiro de 2011
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
"(...) O artista perguntou: 'Como posso tornar-me um dragão?' Respondeu o abade: 'Recolha-se aos seus aposentos e concentre nisso o pensamento. No devido tempo, sentirá a necessidade de pintar um dragão. Nesse momento se terá tornado um dragão, e o dragão o impelirá a dar-lhe forma'".
(in "Conferências sobre Zen-Budismo", de D.T. Suzuki)
(in "Conferências sobre Zen-Budismo", de D.T. Suzuki)
Descoberta
Andava só pelo bosque
Inteiramente só,
Ao léu, por nada
Pensar ou querer.
E percebi na sombra
Uma florzinha só
Clara como as estrelas
Ou dois olhos brilhantes.
Fiz menção de arrancá-la,
Quando a ouvi dizer, suavemente:
Será para que eu morra
Que devo ser quebrada?
E tirei-a do chão
Com todas as raízes
E ao jardim conduzi
Para junto do lar.
E de novo a enterrei
Num tranqüilo lugar
Onde ela vive e cresce
E está sempre sorrindo
(Goethe - citado em: "Ter ou Ser?", de Erich Fromm)
Andava só pelo bosque
Inteiramente só,
Ao léu, por nada
Pensar ou querer.
E percebi na sombra
Uma florzinha só
Clara como as estrelas
Ou dois olhos brilhantes.
Fiz menção de arrancá-la,
Quando a ouvi dizer, suavemente:
Será para que eu morra
Que devo ser quebrada?
E tirei-a do chão
Com todas as raízes
E ao jardim conduzi
Para junto do lar.
E de novo a enterrei
Num tranqüilo lugar
Onde ela vive e cresce
E está sempre sorrindo
(Goethe - citado em: "Ter ou Ser?", de Erich Fromm)
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