sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Análise

Dentro de mim existe um arvoredo
onde me escondo menino nas sombras
o coração apertado entre os ombros
com medo não sei bem do quê - medo

talvez de me perder, ou já perdido
fugindo de algum monstro ou de bruxa
que sei que não existe mas, puxa
meu coração ainda crê em mitos

e bate que bate com tanto estrondo
vendo que as aves nem ouvem, aflito
com o silêncio da própria aflição

(Então chamam de longe, não respondo:
pode ser só meu medo do infinito
num arvoredo da imaginação)

(Domingos Pellegrini in "Gaiola Aberta")

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar,trucidar
Meu coração fecha aos olhos e sinceramente chora...
''Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal`
`Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intencão e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadura à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa'
'Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um Império Colonial
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um Império Colonial

("Fado Tropical", Chico Buarque)