Ningyo Hime - Rie Tanaka
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
"Hoje via sobre a mesa penas como que deixadas ao vento, e permaneciam como que ali deitadas, dando um ar tanto peculiar ao ambiente. Verdade que havia tido vento - afinal, deixara aberta a janela durante a madrugada; gosto de sentir o ar da noite penetrar de calada em outra, embora a sua seja universal, e a luz da lua a banhar o ambiente como reflexo de pó de estrelas e dos sonhos de tantos transeuntes. Entretanto, era pitoresco o que ocorria: a profusão de coisas, um tanto absurdamente normais diante daquela cena sinceramente cândida trazia consigo um paradoxo que só poderia definir em palavras, embora estivessem em meus sonhos e realidades.
Não poderia ter entrado ali: dada a impossibilidade da profundidade do ambiente, os acessos eram como trancas ao concreto, sendo deste eles mesmos feitos; a imposição era tamanha como imãs postos em quaisquer sentidos: ainda que se atraiam ou se repelem, eles continuam sendo os mesmos, e penas também, e janelas encerradas.
Caminhei aquela noite antes de dormir – sabe, naquele limiar de sono-sonho, que nem sei se assim podemos dizer; quando acordados, estaremos todos com sono? Seremos disléxicos ao contrário? Signos, não consigo entender toda essa constelação – e parecia que a natureza dominava o ambiente com força arrebatadora, pois as nuvens se entrecortavam junto ao vento que as movia – ou seria o inverso? Fiquei motivado por esse raciocínio; embora um pouco bobo, fez-me alegre pela sua própria ação, como os reis antes tinham os seus para divertir-se, e assim me encarnei num ambiente medieval como que vindo dos confins da civilização para adentrar noutros reinos, humanos ou não – e alguns raios banhavam meu corpo, de uma limpidez branca que reluzia até no asfalto, como se de repente este tivesse se transformado em uma pérola negra; as árvores, como que furiosas - mas calmas porque dançavam para se afagar das carícias da tempestade e dos astros que apareciam intermitentemente a trazer-lhe alimentos e esperanças, pois a fonte é como uma cornucópia - lançava ao ar nuvens que se confundiam com as outras, tanto de suas folhas como das penas que os ninhos – alegravam-me tanto o cantar que deles provinham, pois a música é um provar de emoções e de medos que os sentimentos transmitem em suas ondas; navegamos em todos os lugares: dizia o poeta que basta isso e respirar não; entretanto, se havemos de aceitar o contrário da nutrição temos que explanar a sua afirmação: mesmo na poesia, sr., eu vivo, ainda que a morte, companheira indefinível mas compreensível, esteja a saborear cada momento com todos embarcados – e nós também nos divertimos nisso, ainda que encontremos ilhas como τραγωδία ou ἀγών, seja através de pulsares ou mesmo da requebrada – continham, pairando eles e toda aquela ordenada ordinária majestosa confusão sobre mim e minhas vestes, e isso me fez – algo ainda que não consegui explicar, soltar o bocejo mais esclarecedor que pude.
Não, nem era isso: como disse por aí – e essa gente deve falar tal coisa porque não sabe o que é lavar a louça, senão não repetiriam tantas vezes tal blasfêmia – “colocar as coisas em pratos limpos”: quando criança – e naqueles anos todos ainda viviam, e tinha mais amigas que todas outras espécies de seres e objetos – queria ser um anjo. Não via nisso nenhum sentido como enxergam ontem e amanhã, mas simplesmente como um désir de estar próximo aos céus; já diziam que vivia sobre a Terra e não nela – há controvérsias, sei que estamos também neste ambiente se respiramos o ar que nos situamos, de papagaios a ecléticos – mas não era suficiente: não me interessava o calor nem o frio, e talvez – ainda dificilmente – o ameno, e sim a liberdade.
Entretanto, temos que pedir perdão por tal coisa, uma vez que suprimimos a nós mesmos em nossa relação com a humanidade sem a convidá-la; os homens e mulheres são malquistos por andrógenos e vice-verso: uns encaram como pertencentes e produtores do leite e mel (e também do escarro, nome feio esse de frades e padres, essa gente que não é carne não defeca, mas odeia e ama numa proporção como fosse o supra-sumo da arte, e já sabemos o que ocorreu ao maior de seus representantes: ao olhar para si na água, nunca mais voltou) do lugar, e outros são postos ali por forças próprias ou outras (e quem sabe ambas coisas) e procura repetir o que buscou lá em cima: comer maçãs (e um agricultor grita: “eu daria ao sr. se fosse gentil e sabes que todas as portas estavam abertas a ti, mas fechaste porque demoraste a tanto; daí que as maçãs, cultivadas por gente, fica com semelhantes, ainda que alguns sejam iguais e outros diferentes – o nome daquele cavalheiro era K.).
Estando sozinho e ainda assim, e onde meu corpo situa, lembrei daquela pena: era meu reflexo em absoluto: já havia aberto a caixa de Pandora e conhecia a fundo a mesma. Já não era eu: entendia como não podia ter sido a janela e nem a porta. Imediatamente pedi desculpas aquele que um dia foi, ao que é, e perdoei a tudo e a todos, e estes lentamente vão poder observar, perdão a eles, que posso amar em todos os âmbitos”.
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"Chegaram muitas mensagens, mas ainda não aprendi a ler cartas porque não compreendo a sonoridade delas, quanto mais o que significa o som e a música para poder chorar e rir dos bons tons de versos, pianos e violinos; e o tato me parece algo distante, reconhecer a suavidade da textura que seguro; o olfato...ah, os perfumes, a renite não me deixa esquecê-los
Precisava ser mais recíproco com quem me escreve: ser humano com quem é, e aprender a sê-lo".
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"O zelo extremo de diplomacia existente em nossa época é tão nocivo quanto a ditadura que a música nos relata: 'A minha gente hoje anda/Falando de lado/E olhando pro chão, viu'.
Nunca se fala a coisa diretamente, mas com alfinetadas. Nunca se é mencionado nomes. Nunca é mencionado o outro. Não existe outro; apenas paredes e chãos dum lugar soturno que chamamos de humanidade, e ainda de maneira que parece um tanto hipócrita pois, ao se ver como anjo, o outro que é humano é relegado em seus sentimentos, e muitas vezes este está chorando tanto quanto o primeiro. E vivemos escondendo tantas coisas de nós mesmos que, se fôssemos começar a analisar, seria chocante notar que essa democracia ou ditadura que estabelecemos é tudo dum nada que assumimos como uma sabedoria.
Somos realmente peças num jogo de xadrez para assumimos tal postura lúdica? Isso é clivagem".
domingo, 4 de outubro de 2009
O intelectual, o espaço e o tempo
Ou sobre como aplicar a teoria da relatividade a humanidade
O que é o intelectual? Podemos começar pela imagem mais convencional: um ser que passa praticamente a totalidade do seu tempo (senão todo ele) enfiado em livros; ele respira, come, caga, transa livros. E, no final, ele mesmo vira um livro para outros intelectuais realizarem o mesmo. Uma vida platônica.
Esses são todos os intelectuais? Alguns, se pudessem, gostariam de se transformar em luz e ultrapassar o limite humano; no entanto, continuaria existindo o sentimento e a emoção que tanto caracteriza a arte da descoberta, aquele lado criança que procura desvendar os mistérios (ou mesmo realizar alguns) para entrar naquele êxtase de maravilhamento?
Talvez esse fosse o dilema de um Kant: como atuar no sentido de um dever-ser, de incorporar todas as leis da natureza (observador universal) de forma a ser harmonioso com elas (imperativo categórico), e ao mesmo tempo continuar sendo humano, i.e., de poder rir e chorar, se apaixonar ou mesmo amar...
No entanto, nem o cérebro do grande pensador alemão aguentou: de tanto investigar a razão pura acabou puramente sem razão - Alzheimer.
É bom ser um ser humano e ora estar um intelectual, ora estar um amigo, ora estar um apaixonado. Viver o nosso próprio tempo sem confundir tempo com espaço. Não é preciso fazer pactos com Mefistófeles, já basta o pobre Fausto.
Talvez assim ainda possamos ver que o rio corre sozinho e brincar todos juntos, ou mesmo estar namorando, junto as suas margens, respirando o ar da natureza e deixando que nos amemos.
Ou sobre como aplicar a teoria da relatividade a humanidade
O que é o intelectual? Podemos começar pela imagem mais convencional: um ser que passa praticamente a totalidade do seu tempo (senão todo ele) enfiado em livros; ele respira, come, caga, transa livros. E, no final, ele mesmo vira um livro para outros intelectuais realizarem o mesmo. Uma vida platônica.
Esses são todos os intelectuais? Alguns, se pudessem, gostariam de se transformar em luz e ultrapassar o limite humano; no entanto, continuaria existindo o sentimento e a emoção que tanto caracteriza a arte da descoberta, aquele lado criança que procura desvendar os mistérios (ou mesmo realizar alguns) para entrar naquele êxtase de maravilhamento?
Talvez esse fosse o dilema de um Kant: como atuar no sentido de um dever-ser, de incorporar todas as leis da natureza (observador universal) de forma a ser harmonioso com elas (imperativo categórico), e ao mesmo tempo continuar sendo humano, i.e., de poder rir e chorar, se apaixonar ou mesmo amar...
No entanto, nem o cérebro do grande pensador alemão aguentou: de tanto investigar a razão pura acabou puramente sem razão - Alzheimer.
É bom ser um ser humano e ora estar um intelectual, ora estar um amigo, ora estar um apaixonado. Viver o nosso próprio tempo sem confundir tempo com espaço. Não é preciso fazer pactos com Mefistófeles, já basta o pobre Fausto.
Talvez assim ainda possamos ver que o rio corre sozinho e brincar todos juntos, ou mesmo estar namorando, junto as suas margens, respirando o ar da natureza e deixando que nos amemos.
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