sábado, 22 de agosto de 2009

Hey You - Pink Floyd

(...)


"Hoje eu gostaria de escrever sobre algo leve. Pensava, respirava, incorporava, voltava a mentalizar, e não surgia nada leve. E, curiosamente, não me ocorreu de escrever algo pesado. Parecia que toda espécie de arte havia sido incapacitada de ser transposta ao papel. O papel se tornou um nada.

Procurei ler então. Fui dos clássicos aos best-sellers, dos científicos aos auto-ajudas. Mal consegui ler os títulos, e muito menos as orelhas de capa. O papel nem nada era: fosse nada ainda prestaria alguma atenção. Simplesmente era inexistente.

Fui então fazer exercícios. Pensei em praticar infinitas artes mundo afora. Não eram nem inexistentes: elas existiam. Estavam suprimidas.

Procurei então morrer. Não consegui. "Nada", "inexistente", "suprimido": ilusões.
Vivi de justificativas.

Viver de vida é arte?
Viver de vida é ciência?
Viver de vida é filosofia?

Viver de vida é vida?

O que é vida?
Ser ou ter?

Tenho a vida.
E vivo?
Sou a vida?

Tenho a mim.
Sou eu mesmo?
O que sou eu?

Não sou quem.
Ser "quem" é ilusão.
"Quem é você?"
"Sou um artista"

Não sou artista. Estou artista.
Não sou cientista. Estou cientista.
Não sou filósofo. Estou filósofo.

Estar é uma condição temporal, é como um ator que representa papéis. Tenho muitos, infinitos papéis. Sou um papel?
Sou de carne e osso. Sou carne e osso?
No entanto, o papel, a carne, tudo se transforma.
O átomo se transforma.

Sou átomo?
Papéis e pessoas são átomos configurados de diferentes formas.
O papel é ele mesmo enquanto ele é ele mesmo?
Eu sou eu mesmo enquanto sou eu mesmo?

O que há no átomo que o tempo define quem sou?
O tempo é um estar. Ele não define o que é o átomo. Ele pertence ao átomo.
Ser e estar.
Ser ou não ser.
Qual é a questão?

O que é o átomo?
Infinitos tempos, infinitos papéis, infinitos eus.
Áquiles jamais chega a tartaruga pois o tempo entre elas sempre será infinito.
E eu não chego a mim mesmo.
Serei Áquiles? Serei um mito, um papel, um eu?
Uma ilusão?

O átomo chega a ele mesmo?
Não sei.

Fazer teatro é um tormento.
Não vou mentalizar.
Nem incorporar.

Já é tempo de dizer que não serei mais tempo.
E tampouco serei além do tempo.
Não irei nem me transformar.
E nem não me transformar.

Como explicar a mim mesmo um estado que nem é contraditório, nem paradoxal?

Preciso viver de questionamentos, perguntas, justificativas, respostas?
Preciso viver de arte, ciência, filosofia?
Preciso viver do bom, belo, bem?

Crianças precisam brincar.
Precisam de papéis.

"Ciranda , cirandinha,
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar
Ciranda , cirandinha,
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar.

O anel que tu me destes,
Era vidro
e se quebrou. Ciranda , cirandinha,
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar.
Ciranda , cirandinha,
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia vamos dar".

Adultos dizem que são responsáveis.
Eles quiseram ter carros maiores, casas maiores, familias suas. Brinquedos maiores.
Agora não recebem mais mesada.Têm seu próprio dinheiro. Brincam tanto para a brincadeira responsabilidade que deixam suas vidas serem tragadas pela brincadeira trabalho. Brincadeira agora se chama responsabilidade e trabalho.
Três palavras, três sinônimos. Brincam tanto que não sabem brincar: brincam de trabalhar demais, comer demais, tudo demais. E se cansam rapidamente e querem brincadeiras maiores, brinquedos maiores: carreiras e carros, tudo carregado. E uma úlcera faz lembrar que brincar pode matar.
Quatro palavras, quatro sinônimos.

A essência é uma delas.
Stress.

Que demais!

E dizem fazer isso para haver o dia em que finalmente poderão descer do palco.
Aposentadoria.
Mas estão tão cansados que, descendo do palco, tropeçam no próprio cansaço e não desejam mais fazer nada.
E rapidamente estão colhendo o descanço eterno.

Entendo a minha não-escrita.
O papel brinca de ser livro, de ser aviãozinho, de ser bolinha.
E gente brinca de ser papel. Se colocam na obrigação de sê-lo.
Papel, brincadeira, responsabilidade.
O stress travestido de diversão.

"Era uma casa muito engraçada / não tinha teto, não tinha nada / ninguém podia entrar nela, não / porque na casa não tinha chão / ninguém podia dormir na rede / porque na casa não tinha parede / ninguém podia fazer pipi / porque penico não tinha ali / mas era feita com muito esmero / na rua dos bobos, número zero".

Não havia graça.
Nem bobeira.
Nem vida.

Fala a ciência de pulsão de vida e pulsão de morte.
Uns procuram viver para os prazeres e se embebedam neles. Outros falam de viver as virtudes e se limpam de virtudes.
Uma cirrose de prazeres. Um cadáver limpo para o enterro.
Isso é vida?

Já sei o que quero.
Vou dançar.
Vou caminhar-dançando-cantando-esgoelando-berrando-cores-e-sons-de-tudo-que-é-tipo.
Berram-se sons e cores, sons que são cores, cores que são sons.
O disco gira, eu giro, o mundo gira.
E o universo se engole em buracos negros.
Vaginas do universo.

O desejo de representar um papel é uma necessidade da pessoa de se colocar em algum lugar?
De retornar para dentro de algo? De pertencer a algo?
O útero da mãe?

Olho para a janela. Está uma linda noite. Céu estrelado, limpo. Sopra um vento frio que me apetece a vontade de tomar um chocolate quente. Nesse momento sou filho de mim mesmo: eu me cuido tomando um chocolate quente, volto a ser criança lembrando dos carinhos de outrora, quando a mãe preparava para mim e me dava cafuné. Sinto saudades.

Dizemos que quando crianças não temos consciência das coisas, e que nem precisamos pois nossos pais nos cuidam.
A medida que vamos crescendo e nos tornando mais livres entramos mais a fundo no espírito da brincadeira para disfarçar a crueldade que enxergamos ser a natureza da humanidade.
A brincadeira-responsabilidade-trabalho.
Bebidas e drogas, brigas e rachas, desconta-se a raiva de si mesmo e do mundo nos outros e em si mesmo.
E os outros em nós e neles mesmos.

"Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não"

"Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão..."

Vivemos a arte, a ciência, a filosofia.
Da guerra.

Fecho os olhos.
Deixo-me sentir.
Sentir a mim mesmo.

Quando sou eu mesmo tenho paz.

A arte da paz, a ciência da paz, a filosofia da paz.
Ela não precisa ser dita, escrita, pintada, bordada.
A paz é paz.

A guerra é o relativismo.
Fala-se algumas vezes a verdade para se dizer a verdade, e outras para mentir.
Fala-se algumas vezes a mentira para se dizer a mentira, e outras para ... .

Curioso como não existe um verbo para "falar a verdade".
É tão pouco praticada.
Quero caminhar.
Vou em algum café comer torradas e tomar um cappucino com rum.

A arte do jogo, ciência do jogo, filosofia do jogo.
Brincamos, ensaiamos de ser nós mesmos.
Quem é não precisa nem pensar, nem incorporar.
Sabe que é e age com segurança.
Quem sabe age com a segurança de ser a si mesmo.

E algumas pessoas querem voltar a ser crianças.
Entendem que se voltarem a ser com o conhecimento que agora têm poderão brincar corretamente.
E acabam vivendo nesse desespero.
Abdicam de suas vidas dizendo a si mesmas que tudo está perdido exceto por aquela esperança.

E outras nem crianças.
Gostariam de ser bebês.
Ou mesmo fetos.
Não ter conhecimento de nada.
E elas nadam nessa esperança.

Quando os bebês nascem as pessoas ficam felizes.
Os pais, parentes, amigos, vizinhos.
E até mesmo o bebê, cercado de mimos e carinhos.
E ele não precisa prestar nenhuma atenção.
É cercado desta.

As pessoas têm expectativas sobre o bebê.
E os bebês simplesmente vivem.
Sabem a hora de comer e dormir.
E o quanto comer e dormir.
Os outros sobrevivem.

Logo a criança aprende a andar e falar.
Num primeiro momento, "que bonitinho"; e até a morte, "que terrível".
Fazem a criança aprender; e ela desaprende a comer, dormir e respirar.
A criança explora o mundo para saber se há escapatória.
Não há mais via, nem respiratória.

As esperanças dos outros são as cobranças sobre o eu.
Que, um certo dia, morreu.
Queria ter pais que não fossem pais.
Que não fossem autoridades.

A autoridade pergunta: "por que?".
Recriminação.
Encriminação.
Expiação.
"Nem mais um pio".

Quero meditar a natureza.
Abro os olhos.
Ilhas.
Como o mundo é pequeno.

"Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...

Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...

Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens...

Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço,
O seu lábio e a sua voz...

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração...

Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais...

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais...

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando...

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem...

Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo,
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais..."

Um suspiro.
Respiro.
Passos lentos.
Intentos.

Quando quero fazer sou eu mesmo. Quando quero ser não sou eu mesmo.
As expectativas surgem quando nos vemos sufocados pelos anseios de outros e de nós mesmos.
Aprendemos a projetar, a fazer engenharias, a sufocar ecossistemas.
Vivemos de dilemas.
E problemas.

Se eu digo que cansei, mesmo que tenha cansado, reforço esse cansaço.
Se eu digo que não cansei, mesmo que tenha ou não tenha cansado, reforço o cansaço.
Assim vou desenhar.
Com versos simples.
Uma linda caligrafia.

Traços firmes.
"Terra firme".
E assim descobri o eu".

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Suicide is Painless - Altman & Mandel

Let Down - Radiohead


Maturidade



Enfim.
Compreeendido.
E nada seria dito.

Nos olhos.
"Adeus".
Sinceridade.
No sorriso.
Honestidade.

De redundância.
Em redundância.
Formou-se um círculo.
Transformou-se em pi.

Infinito.
Dízima periódica.
Completude.
Na incompletude.

Atitude.
Quietude.
Altitude.
,1415926535897932384626433832795…

O sr. K. havia acordado no horário ... tal como todos os dias. E tal como todos os dias, fora caminhar no horário ... . Sempre fora assim, aparentemente um relógio. O vento era o que o regia. Apenas por uma questão de saúde mantinha certos horários e certos comportamentos; terminada a esfera destes, deixava rolar a sua própria: dançava, rotacionava, translacionava, laçava e abraçava. Sr., relógio, vento, e sempre preferira apenas K.

,1415926535897932384626433832795…
Altitude.
Quietude.
Atitude.

Na incompletude.
Completude.
Dízima periódica.
Infinito.

Transformou-se em pi.
Formou-se um círculo.
Em redundância.
De redundância.

Honestidade.
No sorriso.
Sinceridade.
"Adeus".
Nos olhos.

E nada seria dito.
Compreeendido.
Enfim.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Réquiem: Agnus Dei - Mozart


domingo, 9 de agosto de 2009

Epitáfio




Libertas quae sera tamen.

Litterae non entrant sine sanguine.

Litterarum radices amarae, fructus dulces.


Ad impossibilia nemo tenetur

Abditae causae.

Ars est celare artem.



Verba volant.

Veritas Liberate Vos.

Veritatis simplex oratio.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Adágio em G menor - Albinoni

O inimigo




“Sabe, há pessoas que são tão loucas que pensam estar combatendo um mau, massacram incessantemente alguém, violentam uma pessoa todo dia, apunhalam covardemente alguém que está querendo apenas ser amigo, ter alguém para cuidar e gostar, viver, está juntando cacos, acreditando, tendo fé, buscando a esperança, tentando amar tudo e todos, abrindo o peito sem medo. E as facadas não param nunca. Quem é o monstro? Pra ti, o que explicaria algo assim?”

.... e ele estava cada vez mais solitário. Divagava sobre as grandes causas da humanidade, das ciências, filosofias, religiões, ideologias.

“Não, jamais deveria ter sido assim.
Não era assim que as coisas deveriam acabar.
Por que assim?”.

Por que do por que? Por que do porquê? Por que?

Parque.
Peripathético.
“Nada sei”.

Nem ético nem triste nem caminho. Nem nadava, nem navegava. Nem vivia e nem morria.

“Nem.
Não.
Nunca”.

Palavras constantes. Discursos. E o vento levava tudo.

“Mãe.
Alguém.
Por favor”.

Não saia mais de casa. Não sabia se era mais noite ou dia. Não importava.

Embaixo das cobertas escondia-se uma criança assustada.
Embaixo da criança escondia-se o medo.
Embaixo do medo escondia-se o nada.

Nada tinha. Nada era. Nada de nada.

O que a análise crítica poderia oferecer?
Já não existiam mais abraços, agrados.
Desmontava laços, cuspia ácidos.

Desestruturado. Corroído. Vampiro.

Fausto.
Deixa esse pacto.
Que holocausto.