Lembro da Lagoa dos Esteves e de como gostava dos meus passeios solitários. Eu me enfiava no meio da floresta como se não quisesse mais sair de lá. Para variar, sofria bullying das crianças na lagoa, mas na floresta eu era rei. Enchia o pulmão com o ar puro perfumado com o cheiro de eucaliptos, e as árvores se elevavam ao céu azul num agradável labirinto. Algumas vezes ia a pé, outras de bike, e enfim de vez em quando ia com a mãe, seja simplesmente para caminhar com ela, seja para catarmos esterco para a horta. Gostava do cheiro de esterco: cheiro de mato, de um mato defumado (?), e achava divertido estar com a mãe ali: sentia que eu era querido e que poderia ser elogiado pelo que estava fazendo. Via, sozinho ou com ela, coisas interessantes na floresta, como uma vez que nos surpreendemos com uma "folha" que voou e era um bicho perfeitamente camuflado. Também fazia passeios solitários junto a lagoa, achava lindo o pôr do sol lá, gostava também de como parecia alegre em dias de sol e céu azul: lembro dela cristalina, cristalina, e dos pequenos peixes que nadavam no rasinho. As crianças, eu incluso, brincavam de pegar os peixinhos usando garrafas cortadas de plástico e pedacinhos de pão para atraí-los, e depois de capturados os soltavam. Havia uma rampa para o desembarque de lanchas e jet-skis, e um trapiche para pesca e mergulho - nisso havia duas plataformas para salto e inicialmente me assustava de pular da mais alta. Foi lá que aprendi a nadar, ao observar as outras pessoas e receber também certas dicas de como me movimentar (inclusive as mãos, que no início eu batia com força, palmas abertas, na água, sem saber da sutileza necessária para que as mãos entrassem respeitando a água e fluindo com eficiência nela). Lá também certa vez menti, durante uma noite, ter largado uns peixinhos que havíamos capturado - eu e minha irmã - durante o dia: os descartei num bueiro, com medo da intensa escuridão que fazia na lagoa e também com medo dos fantasmas dos aviadores que recentemente tinha sabido terem caído lá no início dos anos 20. A infância é o reino da brincadeira, para o bem e o mal: das fantasias divertidas e das ilusões aterrorizantes. Me pergunto como teria sido a minha vida se meus pais tivessem fixado residência na Lagoa: na maior parte do ano o lugar era ocupado por pouquíssimas famílias, justamente aqueles que moravam lá. Estudavam na Praia do Rincão, um lugar próximo dali: tomavam ônibus para ir e para voltar. O contato teria sido mais intenso: com meus pais, com a floresta, com a natureza, com a solidão, comigo mesmo. Afinal, tudo estaria mais próximo - menos os outros: estes estariam longe e só ficariam lá durante as temporadas. Odiava as outras crianças, odiava principalmente um menino que parecia liderar os outros, me desagradava profundamente essa agressividade gratuita, essa, enfim, estupidez, violência mesmo. Estar com os outros era um inferno, a natureza e o resto do ano eram redentores: havia silêncio, havia paz, e uma calma reinava no meu coração. Talvez meus pais ficassem melhor e tivessem amenizado seus tons autoritários, ou talvez isso teria acelerado sua separação: não sei. Talvez eu me sentisse abandonado com toda aquela natureza e sem saber como lidar com ela; talvez tamanha solidão de morar lá teria apressado meu caminho para a literatura e a reflexão e tivesse me ajudado em meus estudos e meu amadurecimento; talvez eu simplesmente tivesse entrado em depressão ou até me suicidado em meio ao silêncio, como que meus átomos voltando a natureza e ao cosmos; enfim: não sei. Talvez tivesse me aproximado mais de minha irmã, ou talvez ambos descontássemos tudo um no outro e ficássemos competindo ainda mais pela atenção da mãe: não sei. Enfim: só sei, e ainda muito mal, daquilo que vivi: era para mim um pequeno paraíso, um paraíso que nunca tive tempo, oportunidade, de ver quais seriam as consequências de tê-lo habitado. Na verdade, isso me faz pensar que não sei muito bem como criei gosto pela literatura: só sei que houveram momentos-chave: o término do namoro com a Lori e ler o "Tom Jones"; vir para Florianópolis e ler o "A Montanha Mágica"; morar no Ribeirão da Ilha e ler o "O Homem Sem Qualidades". Teria sido cada um desses momentos um retorno a Lagoa, a sua solidão e paz, a sua calmaria e conforto, ao seu equilíbrio e bem estar?
segunda-feira, 26 de abril de 2021
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